Como Johnny roubou a cena: Stephen Stucker e a ousadia queer em “Aeroplano!”

Como Johnny roubou a cena: Stephen Stucker e a ousadia queer em “Aeroplano!”

No 45.º aniversário do clássico Aeroplano!, celebramos Stephen Stucker, o ator gay que usou o humor para desafiar preconceitos — mesmo em tempos sombrios.

Há 45 anos, a comédia absurda Aeroplano! levantava voo nas salas de cinema e entrava diretamente para a história da cultura pop. Com piadas que vinham em catadupa, personagens bizarras e cenas que ainda hoje circulam em memes e GIFs, o filme dos irmãos Zucker e de Jim Abrahams tornou-se num clássico instantâneo. Mas entre todas as personagens, uma destacou-se — e ainda hoje arranca gargalhadas: Johnny.

Interpretado por Stephen Stucker, Johnny era o irreverente e excêntrico controlador de tráfego aéreo. Flamboyant, rápido nas tiradas e com um dom natural para o shade, roubava todas as cenas. Numa sala cheia de homens sisudos e tensos, Johnny irrompia com observações como: “É um grande e bonito avião branco com riscas vermelhas, cortinas nas janelas e rodas, e parece um grande Tylenol [comprimido alongado de paracetamol]!”
Ou ainda, quando lhe perguntavam o que fazer com as luzes da pista:
“O que eu faria com qualquer outra luz: desligá-la!”

Johnny tinha piada não “por ser gay”, mas por ser hilariante

As suas frases desconcertantes e ritmo frenético quebravam a tensão da história — e também as regras do que se esperava de um homem num papel secundário de um filme de comédia trágica. Johnny nunca é identificado como gay no guião, mas os maneirismos, a entrega e as referências — “Há saldos na Penny’s!” — deixavam claro um subtexto queer que escapava à censura, mas não à comunidade.

Numa altura em que personagens LGBTQIA+ eram alvo de gozo, bullying ou punição, Johnny era diferente: ninguém no filme o confronta ou rebaixa pela sua diferença. Ele está lá apenas para ser… brilhante. O humor não era “por ele ser gay”, era porque ele era hilariante — e isso, em 1980, foi uma lufada de ar fresco.

Grande parte dessas falas foram escritas pelo próprio Stephen Stucker. Com formação no grupo Kentucky Fried Theater, conhecido pela sátira política e social, Stucker levava para o ecrã a sua energia única, misto de teatro, improviso e provocação.

Além de Aeroplano! e a sua sequela, participou em filmes como The Kentucky Fried Movie, Carnal Madness e até na série Mork & Mindy. Stucker interpretava frequentemente personagens queer — por vezes mesmo em drag — sem nunca cair nos clichés da vilinização ou na caricatura passiva. Era uma presença afirmativa e desafiadora.

Mesmo perante o VIH, Stephen Stucker nunca deixou de piscar o olho ao público

A sua vida sofreu um abalo em 1984, ao ser diagnosticado com VIH. Ainda assim, Stucker recusou o silêncio. Em 1985, foi um dos primeiros atores a falar publicamente sobre viver com Sida. Participou no Phil Donahue Show e enfrentou a ignorância e o estigma com o mesmo espírito irreverente:
“Não é fatal. Olhem para mim! Estou fabuloso, não estou?”, disse em direto perante milhões que o viam na televisão.

Na mesma entrevista, confrontado com perguntas sensacionalistas, Stucker manteve-se firme e trouxe humanidade e leveza a um momento que poderia ter sido de vergonha. Nesse mesmo ano, declarou ao Los Angeles Times:
“Perdi 40 amigas e amigos. Três pessoas por dia estão a morrer em Nova Iorque, São Francisco e Los Angeles. Mas temos de olhar para o lado positivo. A Sida não mata toda a gente. Temos de viver. A vida é para ser vivida. Vamos ouvir boas notícias.”

Um legado que é celebrado até aos dias de hoje

Stephen Stucker morreu a 13 de abril de 1986, com apenas 38 anos. Ficou longe de alcançar o estatuto de estrela de comédia que merecia, mas deixou-nos um legado de coragem e autenticidade. E Johnny, essa pequena personagem num grande filme, tornou-se símbolo de resistência queer num tempo onde quase tudo nos queria apagar.

Num mundo onde o humor ainda é muitas vezes usado para ridicularizar pessoas LGBTQIA+, Johnny continua a brilhar como um exemplo raro de como se pode ser diferente, fabuloso e engraçado — sem se ser o alvo. E Stucker, com o seu riso inconfundível e talento desarmante, mostrou-nos que o humor pode ser uma arma poderosa contra o medo.



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