
Dez anos após a histórica decisão que reconheceu o direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo em todo o país, o Supremo Tribunal dos Estados Unidos poderá voltar a pronunciar-se sobre o tema. O caso parte de um recurso apresentado por Kim Davis, ex-funcionária pública do Kentucky que, em 2015, se recusou a emitir licenças de casamento para casais do mesmo sexo, alegando motivos religiosos.
Davis foi condenada a pagar 100 mil dólares por danos emocionais, mais 260 mil em honorários de advogados, a um casal que lhe intentou ação judicial. Agora, recorre ao Supremo argumentando que a Primeira Emenda — que protege a liberdade religiosa — deveria imunizá-la de responsabilidade pessoal. No pedido, vai mais longe: defende que a decisão Obergefell v. Hodges de 2015, que garantiu o casamento igualitário ao abrigo da 14.ª Emenda, foi “gravemente errada” e deve ser revertida.
Embora especialistas considerem improvável que este caso seja o que levará à reversão do precedente, o simples facto de a questão chegar formalmente ao Supremo é visto como um sinal preocupante.
“Nem um único juiz do Tribunal de Apelação dos Estados Unidos mostrou qualquer interesse na petição de reanálise de Davis, e estamos confiantes de que o Supremo Tribunal concordará da mesma forma que os argumentos de Davis não merecem mais atenção”, disse William Powell, advogado de David Ermold e David Moore, o casal agora casado do Kentucky que processou Davis por danos.
Desde 2022, quando o mesmo tribunal reverteu Roe v. Wade e retirou a proteção constitucional ao aborto, figuras conservadoras — incluindo o juiz Clarence Thomas — têm defendido que Obergefell e outros precedentes sobre direitos LGBTQ+ deveriam ser reavaliados.
Uma campanha renovada para mudar a lei
O apelo de Davis surge num contexto de mobilização política e legislativa contra o casamento igualitário. Em 2025, pelo menos nove estados introduziram propostas para bloquear novas licenças de casamento para pessoas LGBTQ+ ou aprovaram resoluções a pedir ao Supremo que reverta Obergefell. Organizações religiosas conservadoras, como a Convenção Batista do Sul, colocaram a reversão da decisão como prioridade nacional.
Este movimento ocorre apesar da maioria da população estadunidense continuar a apoiar o casamento igualitário — apoio esse que, segundo sondagens da Gallup, cresceu de 60% em 2015 para 70% em 2025, mas estabilizou nos últimos anos. Entre eleitores republicanos, a aceitação caiu para 41%.
Possíveis impactos e salvaguardas
Mesmo que Obergefell fosse revertido, os casamentos já realizados permaneceriam válidos ao abrigo do Respect for Marriage Act de 2022, que obriga todos os estados a reconhecer uniões legalmente celebradas, incluindo de casais do mesmo sexo e interraciais. No entanto, a anulação abriria a porta para que estados voltem a proibir novos casamentos entre pessoas do mesmo sexo, criando desigualdades e insegurança jurídica.
Hoje, estima-se que existam 823 mil casais do mesmo sexo casados nos EUA, 591 mil dos quais celebraram a sua união após a decisão de 2015. Cerca de um em cada cinco cria uma criança menor de 18 anos.
Um risco que pode atravessar fronteiras
A experiência recente mostra que retrocessos legais nos Estados Unidos têm potencial de influenciar agendas conservadoras noutros países. Questões como o acesso ao aborto, a educação sexual ou os direitos trans têm sido alvo de estratégias coordenadas, com alianças políticas e religiosas a nível internacional. Uma eventual reversão do casamento igualitário no contexto estadunidense poderia fortalecer forças anti-LGBTQ+ noutros contextos, incentivando propostas semelhantes em países onde os direitos ainda são frágeis ou recentemente conquistados.
A comunidade LGBTQ+ conquistou direitos fundamentais através de décadas de luta e resistência. A ameaça de regressão — mesmo que lenta e gradual — exige vigilância constante, mobilização social e pressão política, não apenas nos EUA, mas em todo o mundo.
“É difícil dizer qual será o rumo que as coisas tomarão, mas será um longo caminho a percorrer, tendo em conta a popularidade atual do casamento entre pessoas do mesmo sexo”, afirmou Josh Blackman, académico constitucional conservador e professor da Faculdade de Direito do Sul do Texas.
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