
O aborto não é o único direito que pode estar ameaçado pelo projeto de decisão do Supremo Tribunal norte-americano que anula Roe vs. Wade. Se o projeto entrar em vigor, abriria a porta para a reconsideração e potencial reversão de outros direitos estabelecidos, incluindo casamento entre pessoas do mesmo género, contracepção, atividade sexual privada consensual e até casamento inter-racial, segundo ativistas e juristas.
“Acho que o casamento gay virá logo a seguir” em termos de possíveis desafios legais e propostas legislativas, disse Kierra Johnson, diretora executiva de uma organização de defesa pelos direitos LGBTI. “Advirto qualquer pessoa que pense que está em segurança que a nossa democracia, nossa luta e os nossos direitos civis estão em jogo“.
A preocupação com o destino de outros direitos civis decorre não apenas do potencial derrube de Roe, um caso judicial que opôs uma mulher de 25 anos, identificada como Jane Roe às leis sobre o aborto do Texas, em 1965. A linguagem usada para justificar o projeto, supostamente de autoria do juiz Samuel Alito com o apoio da maioria do tribunal levanta questões preocupantes. Um argumento levantado contra o aborto no projeto do tribunal é que os direitos ao aborto não estão enumerados na Constituição, uma circunstância que também poderia ser aplicada, por exemplo, ao casamento entre pessoas do mesmo género e à contracepção, disseram especialistas jurídicos.
A possível decisão, que apoiaria uma lei do Mississippi que proíbe o aborto após 15 semanas de gravidez, também fragilizaria o direito à privacidade, uma base para a decisão Roe e vários outros direitos, disse Anthony Michael Kreis, professor de direito da Georgia State University College.
O direito à privacidade “surge de várias áreas diferentes dentro da própria Constituição, mas evoluiu a partir do direito ao acesso à contracepção. E a partir daí temos uma enorme quantidade de direitos à privacidade sexual“, disse, avisando que é uma corda que, se puxada, poderá trazer muitos outros pontos.
Além da lei do aborto, juízes poderão reconsiderar direitos LGBTI
Muitos dos direitos que seriam hoje potencialmente ameaçados têm o apoio de decisões pelo Supremo Tribunal, tal como a decisão Roe de 1973. O tribunal estabeleceu o direito à contracepção (Griswold v. Connecticut, 1965); o direito ao casamento inter-racial (Loving v. Virginia, 1967); o direito à atividade sexual consensual numa decisão de 2003 (Lawrence v. Texas) que invalidou as chamadas “leis de sodomia”; e o direito ao casamento entre pessoas do mesmo género (Obergefell v. Hodges de 2015).
Especialistas jurídicos e defensores dos direitos LGBTI discordam até certo ponto sobre qual o direito mais ameaçado. A maioria pensa que o casamento entre pessoas do mesmo género, estabelecido há menos de uma década, seria o primeiro a ser contestado, enquanto o casamento inter-racial, que tem o apoio de proteções constitucionais de direitos iguais, seria, ainda assim, menos ameaçado.
No entanto, é unânime que ao derrubar um direito estabelecido, o tribunal poderia abrir a porta para desafiar outros direitos.
“A ideia de que o Supremo Tribunal se sentiria suficientemente confortável em derrubar um caso seminal de 50 anos, que garante às pessoas autonomia física sobre seus próprios corpos por causa da mudança de composição da corte é uma perspectiva realmente aterradora”, disse Cathryn Oakley, diretora legislativa estadual e conselheira sénior da Human Rights Campaign.
Os direitos LGBTI podem ser especialmente vulneráveis, disse Cary Franklin, professora da Faculdade de Direito da UCLA. Os argumentos para rejeitar Roe – que não são mencionado na Constituição ou profundamente enraizado na história – também podem ser aplicados à igualdade no casamento e à intimidade consensual entre pessoas do mesmo sexo, disse. “Isso levanta algumas questões reais sobre se este tribunal irá mais longe e começará a questionar os seus precedentes no que toca aos direitos das pessoas LGBTI“.
Um passo sem precedentes que pode vir a ter um efeito dominó
Franklin, que também é diretora do corpo docente do Center on Reproductive Health, Law and Policy, disse que outros direitos de saúde reprodutiva, incluindo a contracepção, também enfrentarão desafios se Roe for derrubado. “Acho que as forças antiaborto há muito fazem a ligação entre o aborto e a contracepção e irão certamente atrás de ambos“.
“O Tribunal Supremo deu um rumo para quem se oponha à igualdade nos Estados Unidos porque o tribunal mostrou-lhes como apresentar argumentos ao tribunal se desejarem desmantelar as proteções legais das pessoas”, disse Richard Albert, professor de direito da Faculdade de Direito da Universidade do Texas.
Além dos casos com ligações específicas a Roe, a decisão do tribunal de eliminar um direito de longa data pode indicar uma disposição em rejeitar outros direitos no próximo mandato como o combate à discriminação, o alojamento público ou os direitos de voto, disse David Cole, diretor jurídico nacional da American Civil Liberties Union. “O facto de terem mostrado que estão dispostos a dar um passo sem precedentes sugere que não temos real ideia do esforço que farão para alterar a lei e impor a sua ideologia“, disse. “O tipo de ousadia que esta decisão demonstra, a absoluta ausência de contenção judicial, sugere que tudo é possível.”
Atualização 24 de junho
Menos de dois meses passados, saiu hoje a confirmação da reversão do caso Roe v. Wade que assim proibirá o aborto em vários dos Estados Unidos da América. Seis juízes conservadores votaram para reverter a decisão do caso enquanto três liberais opuseram-se. O antigo presidente Barack Obama considera a decisão um ataque “às liberdades essenciais de milhões de norte-americanas”
O Podcast Dar Voz A esQrever 🎙🏳️🌈 está disponível nas seguintes plataformas:
👉 Spotify 👉 Apple Podcasts 👉 Google Podcasts 👉 Pocket Casts 👉 Anchor 👉 RadioPublic 👉 Overcast 👉 Breaker 👉 Podcast Addict 👉 PodBean 👉 Castbox 👉 Deezer