Chamar As Coisas Pelo Nome (ou como a homofobia foi menosprezada pela televisão portuguesa)

Fiquei ontem estupefacto com as parcas vezes que se falou em homofobia quando, na televisão, se discutia o ataque terrorista de Orlando. E então fui investigar. E com isso quero dizer que peguei no comando da box e vi as primeiras notícias sobre o massacre dos telejornais da RTP, SIC e TVI dos dias 12 e 13. Não foi impressão minha, ao contar as vezes que nas apresentações, peças e directos dos respectivos jornais foi mencionada explicitamente a orientação sexual das vítimas ou a homofobia como causa para tamanho massacre, deparei-me com os seguintes resultados:

Dia 12 (tempos das notícias entre 3 e 6 minutos)

Dia 13 (tempos das notícias entre 5 e 13 minutos)

De notar que considerei qualquer menção explícita a ‘orientação sexual’ (gay, homossexual, vítimas, discoteca, etc), tenha ela sido feita na apresentação, feita por jornalista na peça ou em directo, terceiros (personalidades, testemunhas, familiares, etc) e nos rodapés. Igual tratamento para ‘homofobia’.

Pergunto: Não é de estranhar que um caso como o massacre de Orlando – que impactou todo o mundo – veja o seu bárbaro motivo ser menosprezado pela comunicação social? Não importa apresentar e discutir essa perspectiva fulcral do ataque? Não importa falar em homofobia quando o local escolhido para o ataque foi uma discoteca gay? Um sítio que continua a ser dos poucos locais em que as pessoas podem exprimir-se livremente  sem represálias, um porto de abrigo para aqueles que as frequentam? Não importa falar em homofobia quando esse é um dos pontos centrais – e mais macabros – da filosofia por trás do auto-proclamado ‘Estado Islâmico’?

Não é esquecer os restantes pontos da discussão – como o livre acesso a armas de fogo nos Estados Unidos – é, sim, não minorar a questão central: aquelas pessoas foram mortas por serem LGBT (se seriam todas ou não é irrelevante para a questão). Aquelas pessoas foram mortas por estarem numa discoteca gay. Ponto.

Tal como as pessoas do satírico Charlie Hebdo foram mortas por serem jornalistas, a discussão avançou para a liberdade de expressão de todos e todas nós, não apenas dos jornalistas, mas também. O atentado de Orlando não deverá ser diferente. Sim, se tivermos visão suficientemente larga entenderemos que foi um ataque a toda a sociedade que se quer livre e igualitária. Tal como nos restantes massacres e atentados, são os seus símbolos que resistem ao tempo e perduram moldando-nos – da melhor forma, espero – a forma como vemos o mundo.  É por isso que importa repetir: este foi um ataque terrorista e absolutamente homofóbico que colocou em causa a nossa liberdade e igualdade. E é por isso que também dirá respeito a toda a população que luta por uma sociedade com esses pilares.

Mas o que vimos na imprensa?  Dois exemplos (e ignorarei a contagem de mortos como justificação, porque não o é):

Já o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, transmitiu a seguinte mensagem a Barack Obama (e ignorarei desta vez o facto de chamar “Direitos do Homem” aos “Direitos Humanos”, mas só para não fugir em demasia ao tema tratado):

Senhor Presidente,

Assistimos, com profundo pesar, ao trágico atentado em Orlando, Flórida, que causou um número tão elevado de vítimas inocentes e que marcou todos os que partilham os valores da democracia, da promoção da paz e o respeito pelos Direitos do Homem.

Quero, por isso, Senhor Presidente, transmitir-lhe em meu nome e em nome do Povo Português, a nossa solidariedade nacional perante tão dramático acontecimento, pedindo-lhe que aceite as minhas mais sentidas condolências.

Nem uma única menção à orientação sexual das vítimas ou à homofobia que despoletou todo o atentado. Mais uma vez: pouco ou nada. Como escreveu Miguel Vale de Almeida: “Universalizem-nos nos direitos e na igualdade. Não nos universalizem apagando a especificidade da discriminação de que somos alvo“.

Felizmente, o Primeiro Ministro António Costa foi certeiro na sua mensagem e, ao contrário de Marcelo, menciona de imediato a palavra que, aparentemente e pelo que aqui mostrámos, demasiada gente anda a evitar:

O mesmo tom teve a deputada e actual líder do CDS, Assunção Cristas:

Que venham as discussões, que as conversas se prolonguem e desviem do seu intuito inicial, mas que não seja menosprezada, minorada, ignorada – e muito menos desde o início da discussão – a vertente central de todo este hediondo massacre: aquelas pessoas foram mortas por serem homossexuais e isso tem um e um só nome: HOMOFOBIA! É hora de chamar as coisas pelo nome, porque só assim poderemos denunciar e proteger devidamente aqueles e aquelas que dela sofrem. É essa a nossa responsabilidade. E a da comunicação social a de informar. Devidamente, se não for pedir muito.

Fonte: LA Times (imagem).

Por Pedro Carreira

Ativista pelos Direitos Humanos na ILGA Portugal e na esQrever. Opinião expressa a título individual. Instagram/Twitter/TikTok/Mastodon/Bluesky: @pedrojdoc

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