O Dia Santo na loja.

2ª-feira passada foi Dia do Trabalhador. Como pude tirar o feriado aproveitei para pensar; em Trabalho.

Mais que uma forma de ganhar o pão, o trabalho é um conjunto de acções que nos obriga a ser criativos; não necessariamente na própria actividade, mas nas relações com colegas, novos ambientes, etc. Idealmente será assim, porque um escape criativo é indispensável à nossa saúde mental. Mas esta criatividade só pode fluir se nos sentirmos à-vontade e aceites – algo que para a maioria das pessoas LGBTIQ é sinónimo de assumir orientação e identidade. Na sexta-feira 28 foi com estas ideias que nos deixou Selisse Berry, fundadora da Out & Equal, uma associação de defesa dos direitos das pessoas LGBTIQ nos locais de trabalho. Pude conversar um pouco com ela, e concordámos num ponto curioso: existe um fenómeno crescente que abrange muitas pessoas, independentemente da orientação ou da identidade – uma certa Descrença no Trabalho… falta de fé, se quiserem.

Que problema é este? A relação dos humanos com o trabalho nunca foi fácil: foi para o evitar que se inventou a escravatura, garantindo o ócio de quem tinha poder. Mas os humanos são incapazes de ficar parados: o tédio, a solidão e a fome obrigam-nos a fazer alguma coisa. Foi assim com os donos de escravos – livres de tarefas incómodas, puderam inventar a Poesia, a Filosofia, a Democracia também…

Até à Revolução Industrial apenas três actividades eram consideradas Profissões: advocacia, medicina e religião, aquelas que exigiam mais tempo de estudo e dedicação; assim, poucas eram as pessoas que chegavam a professar algo. As outras podiam ter a sorte de encontrar uma vocação (um chamamento, uma aptidão para algum ofício), ou o azar de lhes ser imposto um trabalho por outrem. Mas em ambos os casos, trabalhavam acumulando várias tarefas: o oleiro que fazia peças também as vendia nas feiras, o agricultor de cereais também criava gado, etc. Assim conseguiam explorar diferentes facetas da sua personalidade através de tarefas distintas dentro da vida laboral; o trabalho de cada um não era uma só coisa. Mas o aperfeiçoamento da tecnologia que a Revolução Industrial trouxe, levou a uma especialização cada vez maior do ensino dos profissionais – um presente envenenado, que levou a criação humana a níveis inimaginados, mas que isolou os trabalhadores e atrofiou a sua liberdade expressiva.

Cúmulo dos cúmulos, os filmes e séries que vemos não são simpáticos com o trabalho – não é tema divertido, nem sexy. A visão que nos dão recai sobre: personagens com trabalhos vagos, ou que simplesmente não existem; workaholics obcecados, alienados da realidade (geralmente detectives, ou médicos) mas que são vistos como heróis; grandes profissionais, os melhores das suas áreas, que resolvem casos complicadíssimos em 40 minutos (sem o mínimo impedimento burocrático, o que é excelente!) – bom, tudo isto é surreal. E deixa-nos com duas impressões: que a felicidade laboral é ser o melhor, o maior, ter uma **Carreira** (a palavra mágica); e que no fim do dia as coisas acabam sempre bem. Sobre o segundo aspecto nem me vou pronunciar – sobre o primeiro, vou apontar o dedo a esta visão bizarra do valor do trabalho, como sendo culpada daquilo que hoje esperamos que ele nos dê: dinheiro, prazer, novidade… estabilidade, segurança, e acima de tudo um “sentido da vida”. Obviamente que o nosso trabalho, por mais interessante que seja, não esgota as nossas habilidades, que são várias, complexas e diversas.

Clarice Lispector, grande voz da literatura do séc. XX, disse em entrevista que não se achava uma escritora profissional, mas sim uma amadora, escrevia porque precisava de escrever; e disse que nem queria ser profissional, porque os amadores têm a Liberdade. Se já começámos a aceitar a ideia da Relação Aberta porque é que tantos de nós ainda juramos fidelidade a um curso de ensino superior? E nos mantemos agarrados, mesmo quando percebemos que não gostamos dele? Vergonha de admitir uma má escolha? Medo de ter um trabalho fora da área? O trabalho não é tudo: todas as nossas outras facetas têm de ser exploradas sem a intenção de nos tornarmos profissionais – é por isso que existem cursos livres, workshops, grupos de amadores, associações, clubes de tudo e mais alguma coisa – o trabalho nunca foi, e nunca será, o único veículo para a felicidade.

Fomos ensinados a esperar demasiado do nosso trabalho, é a única conclusão a que posso chegar. Mas não estou a fazer o elogio da flexibilidade laboral absoluta – recibos verdes, despedimentos rápidos, etc. A precariedade é devastadora; e não cai do céu, é uma medida escolhida para aumentar o lucro da produção.

2ª-feira foi Dia do Trabalhador. Um dia ligado ao Socialismo e, no caso português, ao 25 de Abril. Trabalho e Liberdade – um nada vale sem o outro: Trabalho sem Liberdade é escravidão; Liberdade sem Trabalho é o vazio.

 

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