Saída do armário: as dificuldades da geração que viveu o Estado Novo e foi obrigada a passar escondida

Estudo encontrou as dificuldades de saída do armário da geração que viveu o Estado Novo e foi obrigada a passar escondida

A dissertação de mestrado intitulada “Coming Out e Envelhecimento Bem Sucedido em mulheres Lésbicas, homens Gays e mulheres e homensBissexuais com 55+ anos em Portugal: um estudo misto” teve o propósito de contribuir para o conhecimento sobre o processo de Coming Out [CO] nesta população, quer no domínio académico, quer no domínio público, revestindo-se de uma natureza exploratória (estudo exploratório de natureza mista e transversal, descritivo) e pioneira em Portugal, desenvolvido na Universidade de Aveiro.

O processo de CO implica um conjunto de etapas, por vezes com percursos de ‘ida’ e ‘vinda’ (vários comes e outs), desde a ‘saída do armário’ até à persistência em continuar ‘no armário’, mesmo que a orientação sexual LGB já tenha sido assumida, não sabendo lidar com a situação. Quando surgiram os primeiros estudos nesta temática, no início do séc. XXI, a comunidade LGB mais velha era ‘invisível’. Considera-se que nos últimos anos o processo de CO foi mais facilitado muito devido ao trabalho realizado pelos movimentos associativos da comunidade LGB, que tem vindo a delinear um caminho para que esta temática deixe de ser tabu e receber uma maior atenção por parte dos profissionais da área social e da saúde (e.g. educadores sociais, assistentes sociais, psicólogos, enfermeiros, médicos, entre outros).

Com uma amostra do tipo não-probabilística, por conveniência, constituída por 43 participantes, com idade média de idade de 61 anos, os participantes mencionaram ter tido alguma repressão em assumir publicamente a sua orientação sexual, inclusivamente para si próprios, uma vez que viveram a sua adolescência no período do Estado Novo, período histórico onde não se podia assumir uma sexualidade não heteronormativa por medo de rejeição e perseguição, internalizando os estereótipos negativos que a sociedade impunha. Reportaram que demoraram muitos anos para ‘sair do armário’, mencionado sentir-se a última geração que teve que passar a juventude escondida, e para quem a oportunidade de assumir publicamente a sua identidade sexual só se proporcionou no final da idade adulta. Todavia, foi possível verificar que não existe um consenso sobre a forma como o processo de CO é vivido e sobre os fatores que esta experiência influencia, bem como sobre a prevalência de comportamentos de risco associados. O processo de CO é diferenciado de indivíduo para indivíduo, sendo muito determinado pelo contexto socioeconómico onde decorre. Torna-se essencial a realização de mais estudos nos domínios LGB com pessoas mais velhas em Portugal, dado que a literatura não é clara sobre o que constituem as melhores práticas e medidas sobre a praxis de gestão direta de serviços sociais e de saúde direcionados à população em estudo. Contribuindo não só para o conhecimento académico, mas também como ponto de partida para o desenvolvimento de boas práticas para os profissionais que trabalhem, de forma direta ou indireta, na área da Gerontologia Aplicada.

Manuel Barbosa


dissertação de mestrado intitulada “Coming Out e Envelhecimento Bem Sucedido em mulheres Lésbicas, homens Gays e mulheres e homens Bissexuais com 55+ anos em Portugal: um estudo misto”, foi desenvolvida na Universidade de Aveiro, pelo autor Manuel João Monteiro Barbosa, sob a orientação científica da Professora Doutora Margarida de Melo Cerqueira, Professora Adjunta da Escola Superior de Saúde da Universidade de Aveiro, CINTESIS.UA (Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde) e coorientação científica do Professor Doutor Henrique Marques Pereira, Professor Associado com Agregação do Departamento de Psicologia e Educação da Universidade da Beira Interior, Centro de Investigação em Ciências da Saúde e do Research Center in Sports Sciences, Health Sciences and Human Development.

Poderá entrar em contacto com o autor do estudo via email.


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Respostas de 5 a “Saída do armário: as dificuldades da geração que viveu o Estado Novo e foi obrigada a passar escondida”

  1. […] Tal como a maioria das nossas vivências, também o 25 de Abril é um processo que precisamos acarinhar, dar atenção, alimentar e ver crescer. Porque esta data marcou o ponto de partida que permitiu uma maior igualdade e liberdade a todas as pessoas em Portugal. E, também como muitas das nossas identidades, é um espectro temporal que decorre até aos dias de hoje. Por exemplo, nasci sete anos passados da revolução dos cravos, mas em 1981 a homossexualidade ainda era crime em Portugal. O meu primeiro ano de vida, ainda que não o soubesse, vivi na ilegalidade. Eu e milhares de outras pessoas que, noutras idades e obviamente noutra escala, sentiram o preconceito e a opressão contra as suas identidades. […]

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  2. Teve aquela fase de que pessoas iam a saunas para “ficarem”! Eu havia acabado namoro de 4 anos, estava há um ano sem transar e fui ao massagista, ele da época em que homossexualidade era como que inexistente! E fiquei pelado e disse a ele, pode massagear intimamente, também! Logo, foi me massagear a prostata (raro nos idos anos 90)! Sentindo eu bem relaxado me disse não resisto, ai lembrei que eu já tinha 32 anos! Me penetrou como se estivesse sendo a 1a. vez dele com homem! Ele com 50 anos, era a segunda vez que havia sido ativo/estado com homem!

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  3. […] LGBTQ+, como categoria, depois de nos primeiros anos do século XXI ter emergido brevemente da “longa noite sexual do Estado Novo” e dos “primeiros anos do Portugal democrático”, nas palavras de Fernando Curopos, tem vindo […]

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  4. […] 1974, o 25 de abril testemunhou a queda de 48 anos de ditadura, libertando o país de um regime que criminalizava e perseguia minorias sexuais. Contudo, a liberdade ainda não abraçava todas as pessoas, como evidenciado pelo manifesto […]

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