Supremo Tribunal da Índia prepara-se para decidir sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo

A Índia, o país mais populoso, não reconhece o casamento entre pessoas do mesmo sexo, efetivamente barrando milhões de casais LGBTQ de aceder a benefícios legais associados ao matrimónio. Questões como a adoção de crianças, seguros e heranças estão agora finalmente em cima da mesa para estas famílias.

Num caso histórico que está a ser transmitido ao vivo para o público e assistido por dezenas de milhares de pessoas todos os dias, o Supremo Tribunal da Índia tem ouvido submissões de ativistas que desafiam a lei. Dizem que é hora da Índia tratar a comunidade LGBTQ do país como pessoas cidadãs iguais sob a sua constituição.

Aditi Anand e Susan Dias, em cima, poderão ser um dos casais que beneficiarão de maior liberdade e segurança caso lhes seja reconhecido legalmente o casamento.

Mas estão a enfrentar um forte oponente: o governo do Partido Bharatiya Janata (BJP), que argumenta que o casamento entre pessoas do mesmo sexo é um conceito “ocidental” sem “qualquer base” na constituição. O partido disse ao tribunal que tais reivindicações eram um conceito “urbano” e de “elite” e, portanto, não são bem-vindas no país.

Uma decisão do tribunal da Índia sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo é esperada em breve. Se ativistas conseguirem convencer o tribunal, isso pode mudar o tecido do que é tradicionalmente um país profundamente conservador.

O caso de Aditi Anand e Susan Dias

Aditi Anand conheceu Susan Dias num clube de leitura em Mumbai. “Não nos demos bem uma com a outra de imediato“, disse Anand, uma cineasta, com um sorriso enquanto se lembrava do seu primeiro encontro. “Sempre fomos antagónicas em relação aos pontos de vista uma da outra sobre os livros que estávamos a ler.”

Semanas depois, quando se encontraram numa loja de telemóveis, Dias inclusive ignorou Anand.

Ela esforçou-se tanto para não me enfrentar. Mas infelizmente, ou melhor, felizmente para nós duas, encontrámo-nos no balcão da loja”, disse Anand. “Dissemos ‘olá’ e trocámos números.”

Mais de uma década passada, Anand e Dias construíram uma vida juntas. Elas co-fundaram as suas próprias empresas, estão a criar um filho, possuem uma casa e adotaram um cão. Mas há uma coisa que não conseguiram fazer no seu país de origem: casarem-se.

Eu quero que o meu filho tenha duas mães legítimas e legais”, disse Dias. Com Anand, está entre as 18 pessoas peticionárias da nova lei. “E é por isso que esta petição é importante para nós.”

A Índia tem visto avanços legais, mas o acesso ao casamento mudaria a vida de milhões de pessoas

As posições indianas em relação às questões LGBTQ são complexas. Por um lado, a mitologia hindu que remonta a séculos apresenta homens a transformarem-se em mulheres e textos sagrados apresentam personagens de terceiro género. Mas, por outro, a homossexualidade foi criminalizada e os direitos matrimoniais limitados a casais heterossexuais sob um código penal introduzido aquando do colonialismo britânico na Índia em 1860.

Desde então, a comunidade LGBTQ da Índia – provavelmente uma das maiores do mundo, dada sua população de 1,4 mil milhões de pessoas – enfrentou uma marginalização generalizada da sociedade.

Só em 2018 é que a Índia voltou a descriminalizar a homossexualidade. No ano seguinte, Dutee Chand, campeã asiática da velocidade, assumiu estar numa relação com outra mulher. Tornando-se assim na primeira atleta indiana a fazê-lo e foi considerada a ‘desportista do ano’ pela Vogue Índia.

Em 2021, duas mulheres trans foram eleitas para duas posições em governos locais na Índia. Devika Akka e Sudha foram ambas vencedoras da gram panchayat, uma forma de governo local que opera em aldeias e vilas indianas.

No ano passado, o Príncipe assumidamente gay Manvendra Singh Gohil confessou ter sofrido anos de “práticas de conversão”. É hoje em dia uma das figuras que procura a ilegalização dessas práticas na Índia. “É importante que pessoas como eu, que têm uma certa reputação na sociedade, continuem a luta“, explicou. “Agora temos que lutar por questões como casamento entre pessoas do mesmo sexo, direito à herança, direito à adoção. É um ciclo sem fim. Eu tenho que continuar a lutar.

A esperança tem vindo a ganhar força quando um estudo encontrou que mais da metade da população da Índia é a favor da igualdade no acesso ao casamento. É este o momento derradeiro para a mudança?

A derradeira luta pela igualdade passa agora pelo casamento entre pessoas do mesmo sexo na Índia

Desde a petição ao Supremo Tribunal, Susan Dias disse que percebeu que não estão a fazê-lo por si mesmas, mas pelos milhões de pessoas que não têm os meios para lutar.

Tornou-se realmente numa ação coletiva. Estou a fazê-lo por quem não pode, tanto quanto estou a fazer por mim mesma”, disse.

Aditi Anand concordou, acrescentando que o que começou como uma conversa em sua casa transformou-se num movimento que uniu a comunidade LGBTQ da Índia.

Estamos a questionar: podemos ser iguais?

Atualização 23 de outubro

O Supremo Tribunal da Índia recusou-se a legalizar os casamentos entre pessoas do mesmo sexo, mas disse que o país tinha o dever de reconhecer as relações LGBTQ e protegê-las da discriminação. A luta pela igualdade continua.

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