
A mais recente ordem executiva de Donald Trump, proibindo as atletas trans de participarem em desportos femininos, é mais um capítulo na ofensiva contra os direitos das pessoas trans nos Estados Unidos. A medida, apresentada sob o pretexto de “proteger o desporto feminino“, é, na realidade, um instrumento político de uma estratégia mais ampla: a manipulação do medo e da desinformação para consolidar poder.
A retórica usada por Trump não é nova. A ideia de que mulheres trans ameaçam o desporto feminino tem sido promovida por movimentos conservadores que ignoram a diversidade de corpos e capacidades no próprio desporto. A legislação estadunidense já serviu tanto para proteger como para excluir atletas trans, dependendo da administração em exercício. Agora, sob Trump, serve de base mais uma vez para a exclusão.
A própria assinatura da ordem executiva foi acompanhada por discursos incendiários, nos quais Trump insistiu em referir-se a mulheres trans como “homens“. Trump voltou também a reiterar a retórica de que Imane Khelif, uma mulher cis, não devia competir nas modalidades femininas. De recordar que a pugilista argelina, medalha de ouro na categoria -66 kg de boxe nos Jogos Olímpicos de Paris 2024, decidiu avançar com uma queixa em tribunal por bullying. O atual presidente dos EUA também invocou histórias não verificadas de atletas cisgénero lesionadas por competirem contra mulheres trans. Ao mesmo tempo, usou a imagem de atletas cis como vítimas para justificar políticas de discriminação sistémica.
História repetida: O medo como ferramenta política
A instrumentalização do medo de grupos marginalizados não é uma novidade. Historicamente, grupos políticos autoritários têm criado “inimigos internos” para desviar atenções de problemas reais. Nos anos 1980 e 1990, o pânico moral era em torno da epidemia de VIH/SIDA; hoje em dia, são as pessoas trans o alvo preferido da direita radical e conservadora.
A demonização de pessoas trans não se limita ao desporto. Nos últimos meses, Trump tem procurado restringir o acesso a cuidados médicos para jovens trans, impedir o reconhecimento legal da identidade de género e até forçar a transferência de mulheres trans para prisões masculinas. Todas estas medidas partem de uma estratégia de desumanização, promovendo a ideia de que as pessoas trans representam uma ameaça à sociedade.
O uso político da transfobia está longe de ser novidade e tem paralelos históricos bem documentados. Um dos primeiros centros de investigação sobre identidade de género, o Instituto para a Investigação Sexual, foi destruído em 1933 por nazis, que queimaram os seus arquivos num dos episódios mais simbólicos da perseguição a minorias sexuais e de género.
A retórica de Trump segue essa tradição: apresenta a identidade trans como uma ameaça à ordem social e promove medidas punitivas contra essas pessoas. O perigo não está apenas nas políticas implementadas, mas no precedente que abrem. Criar uma ameaça interna justifica, aos seus olhos, ataques cada vez mais agressivos.
A desconstrução de narrativas como resistência
Especialistas em direitos humanos alertam para as consequências devastadoras desta retórica e ação política. Dados mostram que pessoas trans são quatro vezes mais propensas a serem vítimas de crimes de ódio do que perpetradoras de violência. Além disso, estas restrições e o policiamento dos corpos prejudicam todas as mulheres que não se enquadrem nos moldes aceites, incluindo mulheres cis, como demonstram casos de atletas negras cisgénero banidas de competições devido aos seus níveis naturais de testosterona.
Apesar da crescente hostilidade política, a resistência também cresce. Organizações de defesa de direitos trans e atletas de diversas origens estão a unir-se contra as medidas de Trump, sublinhando que a luta por equidade e inclusão não se limita ao desporto, mas é um espelho da luta por direitos humanos.
“Isso faz parte, em última análise, de um esforço de bode expiatório que é realmente uma estratégia autoritária para semear desinformação, semear dissidência e expandir o poder“, disse Elizabeth Yates, diretora de uma organização de direitos civis. “Esta é uma parte de um projeto maior“, rematou.
A ordem executiva de Trump não é apenas uma medida desportiva, mas uma manobra política desenhada para inflamar medos e reforçar o apoio de setores mais conservadores. O ataque aos direitos das pessoas trans insere-se num padrão histórico de perseguição e desinformação, que visa consolidar poder através da exclusão de grupos vulneráveis. A história mostra-nos que estas estratégias podem ser combatidas, mas exigem solidariedade, resistência e uma defesa intransigente dos direitos humanos.

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