
No mais recente episódio da segunda temporada de The Last of Us, intitulado Day One, assistimos ao início de uma relação que resiste — não só dentro da narrativa, mas também fora dela. Ellie e Dina, duas jovens queer, descobrem o amor num mundo devastado. Mas este episódio, realizado por Kate Herron (Loki e Sex Education), tem sido alvo de críticas carregadas de misoginia, lesbofobia e bifobia.
Por que incomoda tanto o simples ato de duas raparigas se apaixonarem? Porque a sua história importa — e muito. Num contexto onde a visibilidade LGBTQ+ continua a ser atacada, The Last of Us opta por não recuar. Insiste em amar. E isso é, em si mesmo, um ato de resistência.
A relação entre Ellie e Dina: ternura no caos
Em Day One, o foco afasta-se, mesmo que por apenas alguns momentos, das armas, da tortura e do horror para dar espaço a algo mais íntimo: a ligação entre duas pessoas que tentam encontrar sentido numa realidade em ruínas. Ellie, interpretada por Bella Ramsey, e Dina, interpretada por Isabela Merced, descobrem-se e reconhecem-se numa relação que vai além do contexto pós-apocalíptico. Dina assume-se bissexual, Ellie é lésbica, e juntas partilham momentos de leveza e descoberta — mesmo quando tropeçam em bandeiras arco-íris e murais do orgulho LGBTQ+ sem saberem o seu significado, pensando que as pessoas deviam simplesmente ser muito felizes ali.

Este detalhe, simples e simbólico, serve de espelho para um mundo que perdeu a memória do que significa resistir através do amor. Mas para quem assiste, percebe-se como estas histórias continuam a ser relevantes — sobretudo quando são apagadas.
Backlash previsível, mas violento
A reação de parte do público foi rápida e hostil. Nas plataformas IMDb, Rotten Tomatoes e Metacritic, multiplicaram-se críticas negativas, muitas delas com mensagens explícitas contra a presença de personagens queer e contra a chamada “agenda política”. Em fóruns online, Bella Ramsey continua a ser alvo de comentários transfóbicos, lesbofóbicos e misóginos — um padrão que já se tinha verificado na primeira temporada, mas que agora, em que Ellie ganha o principal protagonismo da série, se aguça.
Este fenómeno, conhecido como review bombing, tem vindo a ser usado por grupos conservadores organizados para minar a receção de obras com representações queer ou não normativas. Mesmo com todas as críticas especializadas amplamente positivas, o episódio é injustamente penalizado por quem não tolera ver duas mulheres apaixonadas no ecrã, particularmente quando uma delas não corresponde ao padrão da beleza atual. Resultado de contaminações da comunidade online de homens incel, a dita manosphere, que impõe o papel da mulher como servente do homem.
A memória de “long, long time”
O episódio “Long, Long Time”, da primeira temporada, centrou-se numa história de amor entre dois homens, Frank e Bill, e foi também alvo de ataques semelhantes. Curiosamente, este episódio viria a tornar-se um dos mais aclamados pela crítica, conquistando várias nomeações para os Emmy, incluindo para realização, argumento e interpretação.
A história repete-se agora com Ellie e Dina. Mais uma vez, o amor queer é colocado sob ataque — não por falhar na narrativa, mas por existir. Isso diz mais sobre quem odeia do que sobre a qualidade da série.
O que está realmente em jogo?
The Last of Us não está a tentar agradar a todas as pessoas. Está a contar uma história que sempre foi queer — desde os videojogos originais até à adaptação televisiva. E está a fazê-lo com coragem, sensibilidade e talento, especialmente num mundo que se desmorona. Resta saber se este ou aquele.
E isso era crucial para a representação do que resta de humano nestas personagens num mundo que as abandonou, pela pandemia ou porque se perderam num ciclo de violência do qual não conseguem sair.
As diferenças entre o jogo e a adaptação para televisão da série The Last of Us

Existem pequenas diferenças entre o jogo – a cena de sexo surge antes do ataque em Jackson – mas, até agora, só têm enriquecido as personagens. Bella Ramsey traz uma vulnerabilidade quase enternecedora a Ellie, que ainda é mais auspicioso perante o que virá a seguir, uma escalada monumental de violência. Ainda vislumbramos aqui um fulgor de esperança no futuro em Ellie, que, mais tarde ou mais cedo, vai ser completamente eviscerado.
Já Dina não é uma personagem secundária e Isabela Merced é absolutamente desarmante, nomeadamente na cena do teatro, que não se passava assim no jogo. Aí, no limiar do desespero de perder Ellie e mais tarde de reconhecer a sua própria homofobia internalizada, Dina transforma-se na série numa protagonista inesquecível.
Amar no fim do mundo
A relação entre Ellie e Dina importa porque oferece representação. Importa porque desafia normas. Importa porque, num tempo em que se pretende silenciar, censurar ou reverter direitos, ver duas jovens mulheres a apaixonarem-se continua a ser um gesto revolucionário.
E isso, mais do que uma “agenda”, é humanidade espelhada no ecrã. Porque o amor, como as personagens desta série nos lembram, sobrevive. Mesmo ao fim do mundo.

Deixe uma resposta para Anónimo Cancelar resposta