
O novo Rainbow Map da ILGA-Europe, divulgado hoje, mostra um panorama preocupante: o retrocesso nos direitos das pessoas LGBTI está a espalhar-se pela Europa, alimentado por legislações repressivas e por um discurso político cada vez mais hostil. A edição de 2025 revela não só quedas históricas em países como o Reino Unido, a Hungria e a Geórgia, mas também uma tendência generalizada de erosão democrática sob o pretexto de preservar a ordem pública.

A Hungria protagoniza a maior queda do ano, descendo sete lugares até à 37.ª posição. O país proibiu eventos Pride, criminalizou participantes e apagou a proteção legal de identidade de género da sua legislação. A Geórgia segue o mesmo caminho, também com uma queda de sete posições, após aprovar um pacote de leis anti-LGBTI que espelha diretamente o modelo repressivo da Rússia.
O Reino Unido, outrora líder europeu em direitos LGBTI+, caiu seis posições para o 22.º lugar — o mais baixo de sempre. Esta queda deve-se a uma decisão do Supremo Tribunal que define “mulher” exclusivamente com base no sexo biológico, enfraquecendo gravemente o reconhecimento legal das pessoas trans. Esta decisão, aliada a orientações discriminatórias da Comissão de Igualdade e Direitos Humanos, compromete a eficácia da certificação de género no país.
Do lado positivo, Malta, Bélgica e Islândia ocupam o pódio com pontuações acima dos 84%. No outro lado da pontuação, a Turquia, o Azerbeijão e a Rússia terminam com os mais baixos valores.
Um ataque coordenado aos direitos



Estes casos não são isolados. Países como Itália, Bulgária e Eslováquia também avançam com medidas que restringem a liberdade de expressão, reunião e associação.
Em muitos destes contextos, a retórica anti-LGBTI é usada para justificar políticas repressivas mais amplas. Katrin Hugendubel, diretora de advocacy da ILGA-Europe, alerta:
As grandes manchetes sobre o Reino Unido e a Hungria chamam a atenção, mas a democracia está a ser corroída discretamente em toda a Europa, como mil cortes de papel. Elementos do centro e da extrema-direita na UE estão a visar o financiamento das ONG para enfraquecer as organizações que defendem os direitos, enquanto a nível nacional estamos a assistir à introdução de leis que não respondem a qualquer necessidade social genuína, mas que são concebidas apenas para marginalizar. A alteração constitucional húngara que estabelece que “a mãe é uma mulher e o pai é um homem” e que “o género é definido pelo nascimento” é um exemplo claro.
Pequenos avanços num mar de desafios
Apesar deste cenário sombrio, alguns países conseguiram avanços importantes. A Alemanha subiu três lugares com a nova Lei da Autodeterminação, que facilita o reconhecimento legal do género sem diagnósticos médicos. A Letónia subiu quatro posições após aprovar uniões civis para casais do mesmo sexo. A Polónia, depois de anos de estagnação, subiu três posições ao abolir as chamadas “zonas livres de LGBT” e permitir eventos públicos pró-LGBTI.
Portugal: estabilidade que exige ambição

Portugal volta a ser ultrapassado e cai, mais uma vez, do Top10. Com 66,99%, Portugal ocupa agora a 11ª posição (em 2024 esteve em 10º com 67,14%).
Tal como mencionado no relatório anual da ILGA-Europe, em 2023, Portugal registou um aumento de 38% nos crimes de ódio, com 347 incidentes documentados pela PSP e GNR. No entanto, a APAV alerta para a subnotificação e má classificação destes casos. A tensão agravou-se em agosto com a publicação de uma lista pela organização Habeas Corpus que identificava pessoas LGBTI+ como “terroristas”, incitando ao ódio.
Ainda assim, houve avanços, como a aprovação de planos municipais em Lisboa para promover a igualdade até 2026, apesar do veto presidencial a uma lei sobre autodeterminação nas escolas.
Na área da saúde, destaca-se a integração do Grupo de Diversidade Sexual e de Género na DGS. Em julho, o Ministério da Saúde anunciou a inclusão de todas as pessoas com útero nos rastreios do colo do útero, medida elogiada por ser inclusiva.
Embora continue entre os países melhor classificados, a ILGA-Europe recomenda medidas concretas para consolidar e melhorar a sua posição:
- Menção da orientação sexual, da identidade de género e características sexuais (SOGISC) na Constituição Portuguesa;
- Reconhecimento legal de género incluir opção não binária ou terceiro género;
- Lei de asilo que mencione expressamente a SOGISC
Num contexto europeu de recuo nos direitos humanos, o exemplo português é valioso, mas não pode estagnar. É preciso coragem política para continuar a avançar.
O tempo de agir é agora
De acordo com a pessoa Diretora Executiva da ILGA-Europa, Chaber:
O Mapa Arco-Íris 2025 oferece um retrato nítido da situação da Europa em matéria de direitos humanos das pessoas LGBTI e sublinha a necessidade premente de defender e fazer avançar estes direitos num contexto de erosão democrática aguda. Se não forem contestadas, estas táticas correm o risco de se espalharem por toda a Europa, minando um quadro de direitos humanos que levou décadas a construir. O momento de reagir é agora, antes que os ataques seletivos a que assistimos em países como a Hungria, o Reino Unido e a Geórgia se tornem a norma e não a exceção. Líderes políticas devem dar o exemplo e passar das palavras aos atos. É altura de as pessoas se erguerem, fazerem ouvir as suas vozes e responsabilizarem os nossos governos antes que seja demasiado tarde.
A ILGA-Europe alerta: os recuos que observamos hoje podem tornar-se a norma se não forem combatidos com firmeza. O Rainbow Map 2025 é mais do que uma lista de classificações — é um alerta sobre a fragilidade dos direitos conquistados e a urgência de os defender. A passividade pode custar décadas de progresso.
O Rainbow Map pode ser consultado na íntegra no site da ILGA-Europe.

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