
A entrada em vigor, na Alemanha, da nova Lei da Autodeterminação — que simplifica a mudança de nome e género nos registos civis — foi um marco para a dignidade e reconhecimento das pessoas trans, intersexo e não-binárias. No entanto, como em vários avanços em direitos humanos, não tardou até surgir quem tentasse instrumentalizar este progresso para servir interesses próprios e hostis à própria comunidade que a lei procura proteger.
É o caso de Marla-Svenja Liebich, figura conhecida do meio neonazi alemão, condenada por incitamento ao ódio, difamação e insulto. Liebich, que ao longo da vida se destacou por discursos extremistas e queerfóbicos, alterou recentemente o género legal e anunciou que cumprirá a sua pena numa prisão feminina. “Irei iniciar a minha pena como agendado. A 29 de agosto de 2025, às 22h, chegarei ao estabelecimento prisional de Chemnitz com as minhas malas”, escreveu Liebich.
Vários meios de comunicação e responsáveis judiciais sublinharam, contudo, que a simples alteração do registo civil não garante a transferência automática de uma prisão masculina para uma feminina. O porta-voz da Procuradoria de Halle esclareceu: “Não há garantia automática de que um homem seja enviado para uma prisão feminina depois de mudar o seu género e nome”. Caberá à administração prisional avaliar a segurança e riscos envolvidos.
Acusações de aproveitamento político contra Liebich
O caso gerou forte polémica pública. Der Spiegel escreveu que “é duvidoso que a mudança seja séria” e considerou provável que Liebich tenha feito uso da nova lei “de forma abusiva, para provocar e embaraçar o Estado”. Esta leitura ganha peso quando se recorda que a própria tem um longo historial de instrumentalização política e de ataques à democracia, agora estendidos às conquistas das pessoas trans.
Este não é um fenómeno isolado. Em 2023, um estudo encomendado pelo serviço prisional britânico identificava casos de homens condenados por crimes sexuais que se declaravam trans apenas para tentar obter acesso a prisões femininas. A psicóloga forense Sarah Firth, responsável pelo estudo, sublinhou: “Havia uma preocupação em ter de provar a autenticidade perante os outros, mas também em questionar quão genuínas ou falsas eram certas pessoas trans em prisão”.
O testemunho de uma mulher trans presa, publicado no jornal Inside Time, é revelador: “Infelizmente, há pessoas que usam ser trans como ferramenta. (…) Alguns agressores sexuais acreditavam que isso reduzia o risco e esperavam ser colocados em prisões femininas. É apenas lamentável que certas pessoas usem causas trans para ganho pessoal — faz com que as pessoas genuínas pareçam mal”.
Ainda que minoritárias, estas situações prejudicam diretamente quem vive uma transição autêntica, ao lançar suspeitas generalizadas e ao colocar em risco recursos já escassos dentro do sistema prisional.
Quem mais perde com a manipulação são as pessoas trans
A extrema-direita, tanto na Alemanha como noutros países, tem aproveitado estes casos para reforçar narrativas de desconfiança e ataque à comunidade trans, apresentando as leis de identidade de género como “brechas perigosas”.
Na realidade, os números mostram que a maioria das pessoas trans em contexto prisional enfrenta situações acrescidas de vulnerabilidade, desde a violência até à exclusão de cuidados de saúde adequados. Ou seja, quem mais perde com a manipulação destas leis são precisamente as pessoas trans que delas necessitam.
É importante, por isso, distinguir a exceção da regra. Casos como o de Liebich não representam a comunidade trans, mas sim a sua instrumentalização por quem sempre se posicionou contra a igualdade e a liberdade. Permitir que esses casos sejam usados para deslegitimar direitos arduamente conquistados seria conceder vitória à agenda extremista.
A resposta, tanto dos sistemas de justiça como da sociedade, deve ser clara: proteger as pessoas trans da violência, assegurar a aplicação criteriosa das leis e não permitir que os abusos de certas pessoas sejam usados para atacar a dignidade de todas as restantes. Importa, pois, não cair na esparrela populista e proteger a população e as suas comunidades.
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