“Nature never repeats itself, why should I repeat myself?“. Foi este o mote da abertura do ciclo Are You For Real? – Uma Viagem Afrofuturista do Blaxpoitation às Utopias Queen Visuais e Sonoras – na Cinemateca Portuguesa este Sábado, sob o signo de Sun Ra, controverso e vangloriado músico de jazz dos 70 cuja música e narrativas nela inscritas são espelho de uma filosofia de vida que tem tanto de demente quanto de iluminada. Na sua singularidade absolutamente intangível e referência para a longa-metragem “Space is the Place” que abriu o ciclo, mostra a verdade do que é ser-se quem se é na mais virtuosa definição do termo. Na sua megalomania psicadélico espacial é mais genuíno a ele próprio que a maior parte dos artistas que se refugiam na teatralidade de um alter ego. Sun Ra, nas suas vestimentas egípcias quase drag, é ele próprio, quer queiram ou não.
E este é um exemplo de inclusão por parte da AFRICA.CONT/CML e do Queer Lisboa, este último já vai na sua 19ª edição e é o mais antigo festival de cinema da região de Lisboa, de algo totalmente invulgar num ciclo curado por Ricke Merighi e Pedro Marum sob a chancela do director artístico João Ferreira. A fuga à normativa é propositada mas natural e na programação, dedicada à diáspora Africana pelos Estados Unidos e Europa, abordam-se temas como a sexualidade em variados géneros, em particular a Blaxpoitation. Este género particular de cinema independente negro foi explosivo, disruptor e alvo de culto durante décadas, algo que pode ser visto em documentários a exibir no festival com destaque para “BaadAsssss Cinema” de Isaac Julien. O realizador tem cinco filmes presentes no ciclo e neste conta com a participação de alguns dos seus maiores impulsionadores como Melvin Van Peebles, Isaac Hayes e Pam Grier, esta última que viu a sua iconografia restaurada nos anos 90 com “Jackie Brown” de Quentin Tarantino. Dela pode-se ver também um dos filmes mais célebres e marcantes do género, entre muitos outros, “Coffy“, a ser exibido no próximo Sábado às 15h30.
Nesta noite de estreia do ciclo houve também a inauguração das duas instalações fixas na Cinemateca, uma delas dedicada a Sun Ra e à sua Intergalactic Omniverse Arkestra, “A Joyful Noise“, e a mais conscientemente incisiva “A person is more important than anything else” de Hank Willis Thomas, que desafia-nos a pensar na revolução social da raça negra e de alguma forma a reflectir nela em paralelo com a da batalha actual pelos direitos LGBT nos Estados Unidos e no resto do mundo. E que de facto podemos aprender bem mais na união e na luta conjunta pelo reconhecimento da igualdade do que na segregação dessas batalhas sociais.

Para todas as informações sobre o conceito e programação do festival, que irá continuar até ao próximo Sábado com vários filmes, performances e workshops em vários pontos da cidade de Lisboa, aconselho vivamente a visitar o site do festival Queer Lisboa. E vemo-vos por lá.
NOTA: Os nossos agradecimentos à organização do Queer Lisboa 19 pelo convite de participação no evento