O que celebra uma marcha do orgulho hétero?

Todos os anos é a mesma coisa, como reação às celebrações no mês do Orgulho LGBTI surgem discursos sobre um alegado “orgulho hétero”. Este ano há grupos que pretendem organizar marchas hetero, Portugal incluído. Mas pergunto, o que celebra afinal uma marcha do orgulho hétero?

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Pelo que luta? O que reivindica? Que direitos não tem especificamente pela sua orientação sexual? Que falta de representação sente nos cargos de poder ou meios de comunicação? Que preconceito sente quando mostra afeto em público? Que falta de apoio sofre por parte da família quando se assume heterossexual? De que se vê obrigada a esconder quem é? Que sentido faz afinal uma marcha destas?

Recordemos que o Orgulho LGBTI surge como contraponto à vergonha, ao silêncio, ao armário, à desigualdade, à discriminação, ao ódio, ao crime. Isto porque historicamente foram as orientações sexuais e as identidades de género minoritárias que foram perseguidas, que foram criminalizadas, enxovalhadas, minoradas e, em muitos casos ainda no mundo hoje em dia, mortas. 

Não estamos aqui a falar de um sentido literal e único da palavra orgulho, mas sim de um sentimento empoderador de milhões de pessoas que encontram desde crianças barreiras ao seu próprio desenvolvimento, à sua saúde, ao seu bem-estar e à sua felicidade. São lançadas para o silêncio, para a invisibilidade, para o armário. Estas são barreiras que nem sempre são transpostas, são barreiras que persistem nas nossas vidas e em diferentes graus. Celebrar, nem que seja apenas por um dia ou um mês, a vitória de sermos quem somos, apesar de todos os obstáculos que encontramos por mero preconceito e discriminação, não me parece que seja, de todo, inapropriado. Antes pelo contrário. Por muito menos vemos outro tipo de celebrações, desportivas, por exemplo e de forma até mais eufórica, e não lhes é questionado esse direito. Imaginem o que é festejar quem somos num mundo que está longe de nos aceitar plenamente e onde uma possível derrota está sempre ao virar da esquina. O que é isso perante um golo?

É por isto que existem Arraiais e Marchas do Orgulho LGBTI, onde todas as pessoas que acreditam numa sociedade mais livre e igualitária podem – e devem – participar, independentemente da sua orientação sexual ou identidade de género. Porque uma marcha do orgulho hetero não é contraponto a nada, pois é ela própria dominante e serve apenas para alimentar a homofobia, a bifobia e a transfobia. Que orgulho há nisso afinal de contas?

Outra das coisas que provavelmente nem é pensado por estes grupos é que as pessoas heterossexuais e cisgénero são muito bem-vindas num evento do Pride onde a partilha dos valores de liberdade e igualdade une verdadeiramente as pessoas. Têm dúvidas? Apareçam numa das marchas e percebam que nem toda a gente ali é LGBTI, há também famílias, pais e mães que vão apoiar com Orgulho os seus filhos e as suas filhas; há amizades entre pessoas onde a identidade de uma delas não prejudica em nada a sua relação; há pessoas aliadas que simplesmente partilham de uma visão social unificadora e ali manifestam o seu apoio. A Marcha também é delas, por elas, para elas.

Por tudo isto, hoje dizemos “não” a todas as derrotas que sofremos, a todas as humilhações que passámos, a todas as vezes que nos negaram, a todas as vezes que nos espancaram e mataram. Hoje dizemos “não” a todas as formas de repressão que nos impedem de ser quem somos. Porque somos e aqui estamos. Marchemos, pois claro, orgulhosamente!


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