Resistimos

No Arraial Lisboa Pride vamos voltar a ocupar uma das maiores praças da Europa e enchê-la desta energia comunitária, a opinião de Ana Aresta.

Escrevo este artigo no dia em que o Supremo Tribunal dos Estados Unidos da América revogou o direito ao aborto. Um direito que vigorava desde 1973 neste país e que, já fora da era Trump (será? Duvidem desta minha afirmação), se vê praticamente perdido numa grande porção de Estados americanos, colocando em risco a proteção, salvaguarda e liberdade de milhões de mulheres cis, homens trans e pessoas trans e/ou não-binárias com útero.

Deste lado do continente, Portugal desce no ranking europeu dos direitos das pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexo e continua a desinvestir nas políticas de igualdade nesta área – e quando digo desinvestir refiro-me não só ao panorama legislativo e governamental, como também à ausência de verbas significativas no Orçamento do Estado, que permitam uma efetiva implementação de contextos de igualdade e segurança para todas as pessoas – da saúde ao trabalho, das respostas de emergência e segurança social à educação.

A luta pelos Direitos Humanos é manifestamente esgotante. Num instante olhamos para trás e damos por uma vida a reunir com partidos, governos, autarquias, autoridades, pessoas cidadãs, pares ativistas, procurando reunir consensos, contrariar preconceitos e visões ultrapassadas, garantir espaços de voz e visibilidade para realidades completamente ostracizadas por maiorias tantas vezes privilegiadas, tantas vezes “in”conscientes da violência que imprimem sobre nós, tantas vezes sentadas no conforto das suas cadeiras políticas desafetadas pela desgraça que acontece fora de portas.

Por cima disso, continuamos sem realmente saber que parte ativa ou passiva temos, enquanto sociedade civil, no avanço da extrema direita por todo o mundo: será que estamos a fazer o que nos compete? Será que atacar é o caminho? Será que ignorar é o caminho? Qual será o caminho? Os nossos fóruns de diálogo também estão cansados – e a pandemia não veio ajudar. Estamos esgotades depois de tantos meses a orientar o nosso pensamento, o nosso trabalho e os nossos recursos para situações de urgência, procurando com pouco sucesso equilibrar o trabalho social e ativista com processos de resiliência pessoal, familiar e de saúde mental. 

Mas, no meio de tanto pântano ansiogénico, há momentos que nos carregam energias, devolvem adrenalina, apontam para caminhos de esperança e que nos fazem querer resistir, redefinir estratégias, reorganizar as forças, voltar à luta e celebrar todas as pequenas vitórias. Esses momentos são, invariavelmente, provocados por pessoas. Esses momentos são, invariavelmente, gerados pela força que temos enquanto comunidade. 

Depois de dois anos sem Arraial Lisboa Pride, e na véspera do regresso deste nosso maior evento comunitário LGBTI+ do país, sei e sinto que esse momento chegou de novo. As semanas intensas de trabalho têm sido carregadíssimas de sentido de missão; o feedback de quem está connosco tem sido revigorante neste “vamos fazer acontecer”; e as pessoas voluntárias, sem as quais o Arraial não seria sequer fazível, têm incorporado nesta equipa um alento de fazer arrepiar.

Este sábado, tal como aconteceu na Marcha do Orgulho LGBTI+, vamos voltar a ocupar uma das maiores praças da Europa e enchê-la desta energia comunitária de que tanto sentimos falta. A luta pelos Direitos Humanos é manifestamente esgotante, mas também é manifestamente incrível. E por cada perda, por cada revés, por cada impasse, cá estaremos, re-conquistando. Resistimos.

Ana Aresta, Presidente da Direção da ILGA Portugal

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