
André Tecedeiro, escritor trans, foi entrevistado pela SIC devido à nega que o também escritor Afonso Reis Cabral recebeu por parte de uma editora estadunidense. Em causa estaria a falta de contextualização de um livro, escrito por um homem cis, que romanceia o assassinato de Gisberta, uma mulher trans, no Porto em 2006.
No entanto, na peça, enquanto Cabral era legendado como ‘escritor’, Tecedeiro era ‘poeta transexual’, o que o motivou a reagir e enquadrar a problemática desta distinção no tratamento.
“As empresas apostam cada vez mais na diversidade e na inclusão, mas há editoras e órgãos de comunicação social a achar que nada disto lhes diz respeito“, legendou André Tecedeiro o seu vídeo. “E sim, é a minha vida que está ali.“
Um autor ser rejeitado por uma editora é algo que acontece todos os dias, começa por referir André Tecedeiro. Como tal, não vê razão para ser apelidado de “censura“, como afirmou Pedro Sobral, administrador executivo da editora LeYA e presidente da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros.
André Tecedeiro considera perfeitamente natural que uma pessoa queira uma segunda opinião sobre uma obra
“Acho perfeitamente normal as empresas e as grandes editoras – como era o caso – terem de pensar se vão vender, têm de pensar no seu público. Não são ONG, o objetivo é vender“, explica Tecedeiro. “Se uma editora vê que o seu público é mais exigente que aquilo que está escrito no livro – e é fácil imaginar que aquele livro não é assim tão exigente na forma como trata as pessoas LGBTQIA+ – acho perfeitamente natural que uma pessoa queira uma segunda opinião, queira perceber qual a linguagem usada naquele livro“.
E André Tecedeiro justifica este cuidado com uma simples razão: o grau de exigência que tem vindo a subir nas últimas décadas. As pessoas que leem estes livros “já não papam qualquer coisa“. E tal reflete-se também na forma como orgãos de comunicação social reportam as suas notícias. Em pleno 2023 ainda “conseguem usar termos completamente obsoletos“. E dá o exemplo, “a jornalista em nota de rodapé dizia que eu era um ‘poeta transsexual’. Claro que quando entrevistou Cabral não disse que ele era um poeta cissexual.” São termos absurdos e obsoletos, mas, segundo Tecedeiro, “transexual vende imenso e pelos vistos o editor do Afonso também acha que transexual vende imenso e ficou espantado por haver mercados que são mais exigentes do que o português.”
As editoras deverão pensar se a sua oferta fica aquém das exigências de quem lê os seus livros
O poeta considera haver agora “uma espécie de self-handicaping“, onde “as coisas são rejeitadas ou não são aceites, mas [é dito que] o problema é do público“. É dito que o problema é as pessoas serem acéfalas – um termo usado pelo próprio Sobral – e que não sabem distinguir o que é bom e o que é mau, acusa Tecedeiro. “Acho que as empresas têm de começar a pensar é se os seus leitores estão demasiado exigentes para aquilo que elas estão a oferecer“.
André Tecedeiro termina ainda ao afirmar que “a edição literária portuguesa é também reflexo do jornalismo português e em como as pessoas estão a leste do que é a comunidade LGBTQIA+” Esta é uma comunidade que está “cada vez mais expressiva e exigente e eles não estão a dar aquilo que aqueles leitores querem e é por isso que são rejeitados.”
André Tecedeiro é um artista cuja obra é amplamente celebrada
André Tecedeiro nasceu em Santarém em 1979 e viveu em Portalegre até 1997. Presentemente, vive e trabalha em Lisboa. No seu percurso académico, estudou Escultura e Pintura (licenciatura) na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, Artes Visuais Intermédia (mestrado) na Universidade de Évora e Psicologia na Universidade de Lisboa, com especialização em Psicologia dos Recursos Humanos, do Trabalho e das Organizações. Enquanto artista plástico, realizou dezenas de exposições e foi nomeado para os prémios Fuso (2015); Cena d’Arte (2004); Celpa-Vieira da Silva (2003); Fidelidade Jovens Pintores (2002). Como escritor e segundo a Porto Editora, os seus poemas foram publicados em diversos livros.
André Tecedeiro participou num episódio especial do Podcast Dar Voz A esQrever com Cairo Braga, Luísa Semedo e Pedro Carreira onde o tema abordado foi precisamente as opiniões sobre comunidade LGBTI+: