Guia Essencial: Como Melhorar a Cobertura Jornalística Sobre Pessoas Trans

Guia Essencial: Como Melhorar a Cobertura Jornalística sobre Pessoas Trans

Na Imagem: Televisor com a Miss Portugal 2023, Marina Machete.

A forma como as pessoas trans e as suas histórias são retratadas nos orgãos de comunicação nem sempre segue as normas recomendadas para evitar a perpetuação do estigma e do preconceito. Casos recentes que retratam pessoas trans, como a da Miss Portugal Marina Machete, nem sempre encontraram o respeito que as pessoas merecem e que o jornalismo tem como dever ético.

É neste contexto que a Associação de Jornalistas Trans (Trans Journalists Association) apresenta o seu Guia de Estilo e Cobertura, uma ferramenta essencial para pessoas repórteres, editoras e jornalistas aprimorarem a cobertura jornalística de pessoas trans e das histórias que as afetam.

Este guia tem como objetivo fornecer uma base para cobrir questões trans, abordando diversas dificuldades comuns relacionadas à linguagem e à reportagem. Importa referir que este guia não é estático, os conceitos de género, sexo e sexualidade são dinâmicos e podem variar ao longo do tempo.

As comunidades trans também são internamente diversas. As palavras que algumas pessoas trans usam para se descrever podem diferir ou até contradizer as orientações aqui fornecidas. Importa assim que seja honrada a forma como alguém fala sobre si mesma sempre que possível e espelhar isso na escrita da peça.

Práticas Editoriais Recomendadas de Jornalismo Sobre Pessoas Trans

As histórias sobre pessoas trans devem colocar as próprias pessoas trans no centro, não a sua família, amizades, colegas ou outras pessoas críticas. Embora as pessoas trans não sejam necessariamente especialistas em questões de género ou trans em geral, as suas experiências e perspectivas são cruciais para uma cobertura ponderada e cuidadosa. Em muitos casos, as pessoas trans ainda são apresentadas como personagens numa história cujo enquadramento é construído em torno das vozes e suposições de pessoas cis.

Auto-identificação é Fundamental

A melhor maneira de determinar o género, nome e pronomes de uma pessoa é perguntar-lhe diretamente. Relatórios policiais, documentos públicos ou declarações de familiares podem identificar alguém de forma incorreta. Até perfis nas redes social podem ser enganosos, desatualizados ou incompletos.

O que fazer se não puder obter auto-identificação

Se não for possível obter a auto-identificação diretamente de um indivíduo, consulte as informações disponíveis publicamente e explique quando a identidade de alguém não estiver esclarecida (por exemplo, uma publicação de numa rede social por uma pessoa amiga que contradiz um relatório policial). Evite identificar alguém de uma maneira específica com base em, por exemplo, pronomes em modo de piada ou comentários não específicos. Jornalistas também já identificaram erradamente pessoas como sendo trans ou não binárias, apenas para estas esclarecerem posteriormente que são cis.

Tenha cuidado extra ao cobrir notícias de última hora. Não é raro serem identificadas erroneamente pessoas trans neste tipo de peças.

Converse com Pessoas Trans sobre Pessoas Trans

Ao relatar uma história sobre questões trans, jornalistas devem entrevistar pessoas trans que têm conhecimento, experiência e expertise sobre o assunto. As vozes das pessoas trans devem ser o foco dessa cobertura; elas devem falar, não apenas serem mencionadas. Equipas de pesquisa académica que estudam comunidades trans são por vezes trans elas mesmas.

Converse com Pessoas Trans sobre Outros Assuntos Além de Questões Trans

A identidade de género é apenas uma parte de uma pessoa e não é o único aspeto que a define. As pessoas trans frequentemente têm experiência profissional ou académica em assuntos não relacionados ao seu género. Incorpore pessoas trans na sua base de fontes e entreviste-as para histórias em diversas áreas, assim como faria com pessoas de diversas origens e perspectivas. Jornalistas que trabalham para cultivar uma base de fontes diversificada em termos de género produzirão peças mais robustas, independentemente do tópico.

Tenha Cuidado Para Não Fazer Perguntas Irrelevantes ou Desnecessárias

As escolhas médicas e históricos pessoais das pessoas trans são frequentemente objetos de escrutínio sensacionalista e não devem ser abordados em jornalismo sério, a menos que estejam diretamente relacionados à história. Peça apenas por esses detalhes quando forem claramente relevantes.

Nunca Exponha Fontes

Não revele publicamente a identidade trans de uma pessoa na sua reportagem. Algumas pessoas trans podem ter revelado isso a certas pessoas em alguns contextos, mas não desejam ser identificadas como trans numa peça facilmente pesquisável, ou podem querer usar um nome ou pronomes diferentes numa história. Certifique-se de que elas entendem as implicações do destaque que lhes será dado. Esclareça com elas se as informações sensíveis que compartilharam poderão ser tornadas públicas.

Não Existe uma Única ‘Comunidade Trans’

As comunidades de pessoas trans são diversas em termos de etnia, idade, nacionalidade, localização, política, religião e muito mais. É incorreto tratar as experiências de uma pessoa como representativas da “experiência trans” ou “comunidade trans” em qualquer questão específica, sendo crucial procurar fontes diversas, assim como em qualquer outra área de cobertura jornalística.

Termos e Identidades Trans Variam entre Culturas

Esteja ciente de que os idiomas têm palavras para pessoas de género diverso que não devem ser traduzidas como trans. Comunidades podem ter outros termos para descrever a sua identidade ou expressão de género e esses termos podem ou não ser comparáveis ao termo trans. Por exemplo, o termo travesti tem significados distintos em Portugal e no Brasil. Consulte especialistas e indivíduos dessas comunidades ao relatar uma história relevante.

Assumir que as identidades de género são equivalentes entre idiomas pode levar a uma tradução simplista que pode ser ofensiva e imprecisa.

Consulte as Melhores Práticas Jornalística de Forma Mais Amplas

Histórias sobre comunidades trans permeiam todas as áreas jornalísticas. Apenas porque uma pessoa trans está envolvida num evento noticioso não significa que a identidade de género seja relevante para a história ou deva ser central na sua construção.

Por exemplo, ao cobrir legislação que procura limitar o acesso de pessoas trans à saúde, considere os conselhos oferecidos pela Associação de Jornalistas de Saúde. Ou ao cobrir histórias que envolvem jovens trans, consulte as orientações da Associação de Escritores Educacionais.

Conclusão Sobre Jornalismo Sério e Responsável

Este guia oferece uma estrutura vital para uma cobertura jornalística mais informada, respeitosa e precisa das questões que envolvem as pessoas trans. Seguir estas práticas editoriais e diretrizes no jornalismo ajudará a garantir que as histórias das pessoas trans sejam contadas de forma ética e representativa. Porque importa assim respeitar a diversidade das suas experiências e promover uma compreensão mais ampla e inclusiva destas comunidades.

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