No passado dia quatro, encontrei-me com Gustavo Briz, Presidente da associação rede ex aequo na Pastelaria Mexicana na Praça de Londres em Lisboa. Ainda há uns dias atrás o tinha visto a dar uma entrevista num programa de televisão e, depois de termos combinado via email o encontro, percebi que eu sabia como ele era mas não o inverso.
Qual não foi o meu espanto quando, num compasso de espera, vejo o Gustavo a alta velocidade em cima de uma bicicleta a descer a rua e a subir o passeio frente à pastelaria. Olhou para mim e, enquanto me chamava “Pedro…?!”, tirava uma corrente bem grossa e pesada e prendia a cadeado a sua bicicleta ao poste de um sinal. Nestes primeiros segundos eu nada disse e, quando me apercebi desse facto, limitei-me a aproximar-me dele e a cumprimentá-lo enquanto ele continuava o processo de prender a bicicleta, “mais rápido e ecológico, simples!” Sorri-lhe e confessei-lhe a surpresa pela sua forma de chegar àquele local (mas não o facto de ter ido eu de carro e ter deixado dois euros e qualquer coisa no parquímetro).
Com o vento frio e agreste que se fazia sentir nesse dia, ambos concordámos em recusar a esplanada e dirigimo-nos para dentro da pastelaria. Um chá para o Gustavo, um café e um pastel de nata para mim. Só no final descobriria que pedir comida durante uma entrevista era um erro de principiante, mas nada que não tivesse já assumido desde o início. Depois de uma breve introdução em relação ao projecto Escrever Gay, foi esta a entrevista que aconteceu na histórica pastelaria lisboeta:
O que motivou o início das actividades da rede ex aequo, ainda informalmente, em Janeiro de 2002, qual a vossa história?
A rede ex aequo surgiu da necessidade de dar apoio, especialmente aos jovens e, em particular, àqueles que vivem fora de Lisboa, dado que na altura não havia qualquer trabalho que fosse feito fora dela. Surgiu primeiro o fórum, que tem esta capacidade de difusão quase infinita, e depois surgiu o Projecto Descentrar da ILGA Portugal que consistia em criar grupos locais de jovens de apoio em várias cidades do país.
Posteriormente a associação autonomizou-se da ILGA e criou-se uma associação de jovens. E foi este o pontapé de saída para dar o apoio aos jovens fora dos centros urbanos.
A nossa segunda linha de ação é a educação para a mudança de mentalidades e, a partir de 2005, criou-se o projecto de educação LGBT que é a dinamização de debates, sessões e esclarecimentos em escolas sobre a orientação sexual, entidade e expressão de género.
Foram estes os dois grandes projectos que deram início à associação. Outros pontos, não menos importantes, passam por quebrar o isolamento. Temos, por exemplo, há quase 13 anos, acampamentos de Verão em que juntamos, durante uma semana, jovens de todo o país para momentos de partilha. Apoiamos também esta questão da pedagogia e da educação não formal, educação entre pares, ou seja, não é apenas um acampamento de convívio, debruçamo-nos também sobre temas que queremos trabalhar para que também eles próprios se sintam mais capacitados.
O vosso fórum [link] que referiste, muito activo, comemora este mês também 13 anos. De que forma essa ferramenta, essa plataforma ajuda os jovens LGBTI em Portugal?
O fórum é um acervo de informação. Se pesquisarmos certos temas em português no Google este encaminha para o nosso fórum. O fórum tem, portanto, este poder de ser uma espécie de enciclopédia em que são partilhadas experiências, vidas de pessoas, discussões de variados temas e tem, obviamente, a questão de quebrar o isolamento porque as pessoas que lá estão podem partilhar e conhecer outras pessoas. Eu posso estar em Freixo De Espada À Cinta e conheço ali uma pessoa de outro sítio e que está a passar pelo mesmo que eu. É uma ferramenta que permite criar pontes entre as pessoas, estejam elas onde estiverem e isso é extraordinário.
O nosso fórum tem este valor histórico e continua a ser válido para muita gente mas, em termos de interface, está a perder caminho para as novas redes sociais. A participação no fórum não é tão grande como há 5 anos atrás porque as pessoas estão noutras redes sociais. O caso é complexo, porque há pessoas que podem estar no Facebook, trabalharem estas questões LGBTI e participarem em grupos abertos, mas há outras que ainda não se sentem à vontade para tal, porque o Facebook está ligado à nossa cara mas no fórum há a opção de anonimato. Por isto, estamos a tentar ligar estes dois mundos, as redes sociais mais imediatas e o fórum com o anonimato e o seu repositório vasto de informação.
A rede ex aequo presta um apoio aos jovens de Norte a Sul do País com vários grupos regionais. Que principais diferenças encontram nos problemas dos jovens que vos solicitam apoio em termos geográficos?
Temos um grupo local em Lisboa e a adesão é enorme, há pessoas que vêm às reuniões e, como Lisboa é uma cidade grande, não existe tanto esta questão do anonimato. No caso do grupo de Évora, que entretanto fechou, na altura havia pessoas que não iam às reuniões porque sentiam que, se alguém as visse a entrar naquele espaço, iriam ser automaticamente conotadas e quem as visse perceberiam logo que elas iam ali para uma espécie de seita.
A disparidade entre cidades grandes e pequenas é muito forte e para nós é um grande desafio. Neste momento temos poucos grupos de locais abertos em cidades mais pequenas exactamente por isto. Temos os voluntários para abrir os grupos mas, muitas vezes, esses mesmos grupos não tinham membros porque as pessoas não se dirigiam lá.
Em termos de situações em casa, com a família, o caso é transversal. Há situações positivas nos grandes polos mas também recebemos pedidos de ajuda de jovens que são metidos fora de casa ou que sofrem situações de violência, isto acontece em todo o lado. Mais crítico sentimos o caso da Madeira, temos várias pessoas a dizerem-nos para trabalharmos lá, que a situação é desesperante. Há também zonas em que parece haver um vazio, nem no fórum temos pessoas a participar, o Algarve, por exemplo, parece não ter ninguém, um autentico vazio. No fórum há um fenómeno que acontece quando temos grupos regionais activos, os fóruns dessas cidades estão também mais activos, há uma maior partilha entre as pessoas, acaba por haver este efeito de bola de neve.
Um dos projectos para 2015 relaciona-se com a projeção da temática LGBTI nos média nacionais com a criação de um Observatório Média que analisa notícias de âmbito LGBT publicadas em Portugal. Como vês a evolução do número e da qualidade dos artigos publicados nos jornais, televisões e nos blogs nacionais?
A rede ex aequo, desde 2005, promove os Prémios Média para homenagear figuras dos média, das artes e do espectáculo que tenham abordado a temática de uma maneira positiva. Achámos que fazia sentido mostrar esta visão completa através do Observatório, ou seja, perceber o que está a ser feito de uma maneira transversal. A apreciação que fazemos da realidade actual é que a maioria das notícias que hoje sai, tal como a postura dos jornalistas, já não é tão pejorativa como antigamente, já não se comentem tantos erros – como escrever opção sexual em vez de orientação sexual.
O problema, regra geral, não é da notícia em si mas dos comentários nos sites de jornais, são comentários assustadores e é óbvio que não há praticamente nada que se possa fazer. Os jornais têm um disclaimer que avisa que nada daquilo é da sua responsabilidade, dizem que há liberdade de expressão e, como tal, nada podemos fazer. Como tal, ainda não percebemos ao certo o que este Observatório pode trazer, porque se formos mapear apenas os comentários homofóbicos feitos não fazíamos mais nada, é dramático.
No geral, achamos que há uma espécie de marés em relação aos temas LGBTI que normalmente estão muito associados às discussões na Assembleia da República. Normalmente quando há uma lei a votação que, de alguma maneira, toque o tema, recebemos pedidos de entrevistas. Se compararmos com a visibilidade dessas questões há 10 anos atrás, se calhar hoje em dia é mais constante mas, mesmo assim, continuo a sentir que é quase só nestes momentos. Parece que é preciso haver uma votação na Assembleia da República para haver esta discussão. Se pensarmos em termos de visibilidade, há poucas pessoas que são conhecidas do público que sejam assumidas. Se não temos modelos de referência quando estamos a crescer, onde os vamos buscar? Não que eu vá exigir a alguém que fale sobre a sua vida mas é muito importante que tenhamos figuras de referência e saibamos que são bissexuais ou homossexuais ou o que forem. É uma luta em que, mal ou bem, já vai havendo cada vez mais pessoas a assumirem-se… mas vamos lá sair do armário! [risos]
Tem havido, finalmente, em telenovelas no horário nobre de vários canais nacionais uma participação de personagens LGBT em que o interesse da pessoa deixa de ser a sua sexualidade. São contadas histórias que mostram o quão iguais são estas pessoas, com o mesmos dramas, as mesmas felicidades, os mesmos desejos. Isto é também importante para educar o público…
… sem dúvida, este ano premiámos duas telenovelas que tiveram personagens gays, o que é óptimo. Falei com um dos argumentistas e perguntei-lhe quando surgiria uma personagem trans. Ele respondeu-me com um «calma, lá…!» É esta a questão, as pessoas trans continuam a ser altamente excluídas nestes processos de visibilidade. Quando são os gays e as lésbicas são mais normalzinhos, porque são casais, é uma questão muito normativa. Enquanto que, para o público, as pessoas trans são um tema muito diferente e esquisito. As telenovelas têm o poder de explicar, caso o queiram, o que é a vida de uma pessoa trans.
Para mim a grande questão da discriminação face às pessoas LGBT tem simplesmente a ver com o género. Vivemos numa sociedade que tem papeis de género muito definidos e, para além disto, é uma sociedade machista, que assume o homem como um ente superior e que vê a mulher num patamar abaixo. Como consequência, quando temos um homem que se comporta saindo do padrão do homem masculino normalizado, é visto como algo mau, é um homem que está a descer de patamar e que se está a colocar ao nível das mulheres. Daí a sociedade julgar que um homem gay, ao envolver-se com outro homem, está a comportar-se como uma mulher.
Por seu lado, a pessoa trans, ao ter esta incoerência de género e ao iniciar o seu processo de transição, que muitas vezes passa por períodos em que ainda não deu início a tratamentos hormonais ou cirurgias, são vistas na sua condição e as pessoas que a rodeiam diabolizam-na porque, supostamente, está a desvirtuar e a quebrar com as suas caixinhas. A violência vem toda desta questão de estarmos muito agarrados ao género e são raras as pessoas, mesmo pessoas LGB, que se questionam sobre o seu género.
Crescemos com o nosso corpo, a nossa genitália, mas são raras as pessoas que se questionam o que é isto de ser-se homem ou ser-se mulher. Julgo que faria sentido questionarmo-nos desde o início sobre o que é o género, porque estamos muito agarrados a esta ideia que tem muito de construção social.
Olhando para a lista de premiados na 10ª edição dos Prémios Média, fica clara a importância que as várias reportagens alargadas sobre a temática LGBTI, tal como, e já aqui falámos, a introdução de personagens e famílias LGBTI nas telenovelas de horário nobre. Que influência tem este tipo de visibilidade nos jovens que poderão ainda estar a procurar respostas sobre o que são e o que sentem?
Aos termos modelos de referência percebemos que não somos nenhuns doentes mentais, que não somos as pessoas esquisitas na aldeia e que, como nós, há muitas outras pessoas. É um problema que não tem que ser um problema, daí a importância da visibilidade desta questão que estamos constantemente a batalhar. Podemos questionar se é uma visibilidade a todo o custo, qualquer que seja, ou a visibilidade de qualidade e eu sou defensor que devemos ter uma visibilidade mais alargada possível. Obviamente que não podemos ficar com a visibilidade de normalidade, temos que assumir que existem várias maneiras de vivência, de sexualidade e das nossas identidades e isto tem que passar de uma maneira pouco facciosa.
Por exemplo, as marchas do orgulho LGBT são um tema que, para muita gente LGBT, não é consensual e acham que dá má publicidade. Para mim, numa marcha, tal como na vida em geral, todas as pessoas têm que lá estar, têm que estar as pessoas que são mais espampanantes tal como as pessoas que estão mais dentro do padrão heteronormativo. Mas eu não posso julgar ninguém por estar num padrão diferente do meu. E é este o problema que muitas pessoas LGBT sentem, dizem que não se querem associar porque, sendo gay, as restantes pessoas nem se apercebem e, ao estar ali, vão acusá-las de estar com outros diferentes de si. Acaba por haver uma homofobia internalizada. Não podemos ter vergonha em admitir que também somos os clichés, tal como não podemos negá-los.
Há, acima de tudo, que aceitar a diversidade. Temos que mostrar a todas as pessoas que a população LGBT existe em todo o lado. A nossa população é tão variada como qualquer outra, temos que ter espaço para todas as pessoas sem discriminação ou juízo de valor. Se julgarmos as pessoas dessa forma estamos a mantermo-nos dentro da sociedade machista e não a quebrar o seu princípio, o seu pilar de preconceito.
Outros dos objectivos para o novo ano é a realização de uma conferência sobre escolas inclusivas para partilhar boas práticas; qual a vossa experiência nas escolas em termos de receptividade à mudança necessária para protegerem os seus alunos e à visibilidade dos problemas das pessoas LGBTI que nelas estudam e trabalham?
Nós temos o Observatório de Educação LGBT que é um formulário onde as pessoas podem denunciar casos de agressão, seja física, verbal ou psicológica. Vamos tendo muitas queixas e muitos dos casos são nas escolas, por vezes de professores ou funcionários. Estamos, portanto, a trabalhar num contexto em que as pessoas que deveriam garantir que a escola fosse um espaço inclusivo e para todos não estão a fazê-lo.
Na nossa experiência, temos escolas que nos convidam todos os anos e onde fazemos sessões com as turmas. Há também outras escolas que chegaram a recusar a nossa entrada porque diziam, isto há uns anos, que estávamos a fazer propaganda ideológica. Há uma escola em Santiago do Cacém, por exemplo, que se recusou a afixar cartazes contra o bullying homofóbico. Aliás, essa escola não se recusou, os administradores dela é que se foram esquivando e adiando respostas, o que vai dar ao mesmo.
Neste momento Portugal tem uma legislação que diz, no que toca à educação sexual, que estes temas têm que ser abordados. Está tudo no papel e bem explícito, mas não houve qualquer tipo de estratégia a nível nacional para dar formação aos professores para que estes possam trabalhar estes temas com os seus alunos. Não há qualquer tipo de monitorização para entender se estas questões de orientação sexual e de identidade de género estão a ser trabalhadas e de que forma. As escolas têm autonomia para tomar estas decisões e nós, como associação, temos que estar a bater de porta em porta para chamar a atenção a estas questões que estão na lei quando, na verdade, deveria ser o Ministério da Educação a tornar isto obrigatório.
Muitas vezes é levantada a questão do pudor – o que pensarão os pais disto? Como explicarão às crianças? – mas ninguém vai perguntar aos pais se os filhos devem, ou não, aprender, por exemplo, matemática. Estas questões devem fazer parte do programa, não é uma questão ideológica, é uma questão de direitos humanos essenciais.
Esta ideia das conferências de escolas inclusivas serve para tentarmos juntar os vários actores que podem ter algum poder de decisão nestas temáticas, mostrar-lhes que é possível abordar estes temas de uma maneira positiva, pedagógica e integrá-las nos programas escolares. Os currículos das várias disciplinas podem ser mais inclusivos. É esse o nosso desafio, mas há aqui um risco muito grande que é, ao fazermos estas sessões, podemos estar a fazer com que certas escolas limpem as mãos sobre este assunto, ou seja, chamam-nos para lá irmos uma vez por ano e arrumam o assunto, não passam daí. Por isso são as escolas que têm que fazer este trabalho, a rede ex aequo é, ou tenta ser, o agente catalisador para que o trabalho seja depois continuado, mas é muito difícil.
A vossa campanha #QuebraOSilêncio, que está a ser lançada agora, apresenta vários alunos, amordaçados, com mensagens insultuosas que lhes foram dirigidas pela sua sexualidade [vejam o segundo vídeo da campanha abaixo]
Como podemos nós todos, e em particular a rede ex aequo, lutar contra um impulso tão entranhado na população, o insulto fácil?
Lutar contra o insulto fácil passa pela questão da visibilidade. Nós não temos que viver dentro do armário, nem mesmo em jovens, temos que ter espaço nas nossas vidas para explorar quem somos e perceber se temos dúvidas, ou não, e isso não ser um problema. Acredito que há muitas pessoas que, como nunca tiveram esses espaços, vivem a sua sexualidade de forma reprimida ou não a vivem sequer. São pessoas que bloquearam totalmente a possibilidade de se envolverem com outra pessoa do mesmo sexo ou vivem às escondidas e, na realidade, temos que criar espaços – e a escola é um dos sítios em que os jovens passam mais tempo das suas vidas – onde não haja esta pressão social em que temos de nos enfiar num padrão fechado e castrador.
Para tal e primeiro que tudo, temos que recolher os dados sobre os casos de agressão. Tem sido um desafio porque sabemos que existem estes casos mas não os temos mapeados, ou seja, o número de queixas que tivemos nos últimos anos foi baixíssimo e achamos que este facto acontece porque as pessoas não sabem que é possível denunciar e, portanto, na maior parte dos casos as pessoas simplesmente não fizeram queixa porque sentem que a escola não é um local seguro para elas fazerem queixa. Elas receiam que vão ser ainda mais discriminadas, têm medo que os pais cheguem a saber quando não há essa abertura em casa, é portanto um ciclo vicioso de silêncio e de silenciamento.
Estamos, como associação, a tentar quebrar esse ciclo, tentar quebrar esse silêncio. Estes casos estão a acontecer, têm que ser reportados e nós temos que ter um papel mais activo e ajudar as pessoas a fazerem queixa, tal como alertar as próprias escolas. A sociedade no seu todo não deve desresponsabilizar-se da educação que, nestas questões, passa por não assumirmos, à partida, que somos todos heterossexuais ou cisgénero, que há várias maneiras das pessoas viverem a sua sexualidade. Quando vemos as crianças a crescerem e lhes perguntamos automaticamente se têm namorado, podemos perguntar alternativamente se têm, simplesmente, alguém. Não devemos impingir questões de género, ou seja, devemos deixar as crianças explorar quem são.
Para um jovem LGBTI, quais as maiores dificuldades que pode encontrar em 2015? Quais as ferramentas que ele pode aceder para ultrapassá-los, nomeadamente com a rede ex aequo?
Essa é difícil… ora, obviamente vivemos num contexto económico e social onde não é fácil um jovem emancipar-se, ou seja, esta questão da emancipação jovem que está na agenda política e social tem consequências nefastas para um jovem LGBTI que não o possa fazer. O seu trajecto de vida ou a sua independência têm que ficar em standby. As pessoas nestas circunstâncias acabam por ter que ficar fechadas no armário porque continuam dependentes das suas famílias. Este é um desafio que nós, como associação não temos capacidade em ajudar directamente porque é uma questão à escala global. Toda esta condição acaba por ser uma agravante nas questões de discriminação. Os direitos sociais com uma crise económica sofrem uma regressão.
Senti que estamos num momento em que temos maiores conquistas legais e de reconhecimento de igualdade mas, ao mesmo tempo, temos maiores pressões de discriminação e de violência à escala global como os exemplos do Estado Islâmico ou a Rússia. Mesmo no seio da Europa, quando foi a aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo em França, a quantidade de manifestações que houve anti-casamento mostra que esta questão não é nada consensual e, a meu ver, a tendência poderá ser que o conflito se venha a agudizar e começarmos a assistir a uma maior perseguição de pessoas LGBTI ou pessoas que são percepcionadas como tal.
Por isso, o nosso objectivo será sempre trabalhar com a sociedade por inteiro. Obviamente temos estes dois vectores, trabalhar com jovens LGBTI e trabalhar com a sociedade por inteiro, porque nós, como minoria, muito facilmente podemos ser ostracizados. Como tal, o trabalho pela igualdade tem que ser feito com toda a gente e esse é o nosso grande desafio porque as pessoas que não são LGBTI muitas vezes, mesmo que não discriminem, não veem grande necessidade em tomar uma posição activa. Também por isso mudámos o nome da associação de forma a incluirmos a expressão apoiantes, em vez de simpatizantes, porque é necessário as pessoas mostrarem o seu apoio.
As pessoas por vezes dizem-me que não querem ser activistas e dar a cara mas eu digo-lhes que se elas viveram a sua vida como elas são, simplesmente só isso, as outras pessoas que estão à vossa volta irão mudar a sua mentalidade. Vejo pelas pessoas que me rodeiam que, antes de saberem que eu era gay, se calhar tinham opiniões completamente diferentes do que era ser-se gay. A minha mãe assume publicamente que tem um filho gay, há oito anos atrás seria impensável. As pessoas podem não ter nada a ver com a minha vida privada mas não vou estar a esconder a minha vida porque, se o fizer, essas mesmas pessoas que estão à minha volta mais facilmente irão discriminar do que se souberem que sou gay, lésbica, bissexual ou trans.
Saiam do armário, assumam quem são porque as pessoas que estão à vossa volta, pelo menos os vossos colegas de trabalho, as vossas famílias, os vossos amigos, essas pessoas já vão mudar a mentalidade. Portanto é esse o objectivo, sair do armário em 2015! [risos]
Como viste o chumbo na AR há 15 dias da questão da adoção, co-adoção? Como reages ao quarto chumbo?
Reajo de forma bastante positiva até, é a última vez que chumba. Houve uma mudança à esquerda, ou seja, o PCP finalmente vai votar a favor. No PS passou a ser uma questão de governo, na próxima legislatura o PS em bloco irá votar favoravelmente sobre esta questão. Obviamente que me entristece bastante que para o PSD, apesar de apregoar a liberdade de voto, esta questão causar-lhes tanta celeuma – apesar de terem havido quatro, cinco ou seis deputados que votaram favoravelmente. O novo líder da JSD votou favoravelmente, julgo ser sinal de qualquer coisa.
Nota: Obrigado ao Gustavo pela disponibilidade e ajuda na entrevista 🙂
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