O Encontro

As pernas tremem. Aquela premunição dir-te-á, afincadamente e até ao fim, que aquele é o dia. Corres o risco. E vais. Soltas entre os dedos aquele resquício de cigarro na esperança de não te tornares, após o passo bizarro e ganancioso, em mais um cinzeiro repleto de almas queimadas e cinzas esquecidas.

Andas, a passo apressado, debaixo daquela chuva, especialmente intensa e cortante, que te faz sentir cada centímetro, cada poro daquilo que, naquele momento, és.

Nada pode correr mal – diz-te o lado racional que quer clarificar-se de vez. Não passas de mais um cigarro e hoje acendeste o isqueiro – dizia o lado que amou e que receia amar. Mas agora nada te pode deter!

Abres a porta e tu sabes. Tu sentes: a presença. A eminência daquele momento. Tu já sabias. E naquela porta. No exato sentido contrário ao teu, como já vinha a ser mais do que normal, ali está ele.

Deixas de tremer. Não sentes o frio na tua cara. Apagas. Desligas. E acordas novamente para perceberes que afinal não apagaste. Nem desligaste. Simplesmente não sentiste. Um vazio.

Naquela estupefação as decisões de última hora imperam. Dizes boa noite porque educação não tem preço. Cedes cavalheiramente a passagem já que estavas a abrir a porta. Assumes uma postura de surpresa indiferente e evitas qualquer outro tipo de contacto. Repugnas a conversa e segues em frente. Ergues a cabeça com uma facilidade que não esperavas. Não sabias sequer ser possível tal acontecer. E percebes.

O teu sedento lado racional tinha razão e rejubila, como uma espécie de ténue prazer, ao dizer-te que afinal nada correu mal. Que, afinal, não passa mesmo de memórias.

E então tu partes. Pela derradeira e crucial vez, tu vais. E segues feliz e de sorriso na cara.

E durante aquele último cigarro vês que tudo se mantém desencontrado. E que feliz é aquele que, numa plenitude soberba e arrebatadora, se encontrou em si próprio.

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