5ª escola ex aequo: “Se queres a mudança não esperes por ela, sê parte dela!”

A rede ex aequo é, por excelência, a associação de e para jovens em Portugal. Já nossa conhecida desde o início deste espaço, a associação viu este ano o início de funções de uma nova direção. E através de uma nova equipa surgem também novas ideias e novas formas de lidar com as questões LGBTI entre jovens. É neste sentido que surge a 5ª escola ex aequo, a decorrer nos dias 17, 18 e 19 de fevereiro em Faro, para dar voz e trazer ideias àquelas pessoas que pretendam contribuir na coordenação de núcleos locais e no Projeto Educação LGBTI.

De forma a cativar a juventude LGBTI e apoiantes nada melhor que perguntar a quem integra hoje a associação e a ajuda a desenvolver os vários projetos de promoção da inclusão e da igualdade, com especial foco nas escolas de norte a sul do país e ilhas.

tiago-mestre-rede-ex-aequoEm conversa de fim de tarde, num café lisboeta semi-vazio e acompanhados por um bolo de chocolate cremoso, chá para um lado, café para o outro, falei com o Tiago Mestre, voluntário e membro da nova direção da rede ex aequo que me explicou os objectivos centrais da 5ª escola ex aequo. “Pretendemos captar mais pessoas que vão às escolas para conseguirmos dar resposta aos muitos pedidos que recebemos”, fazendo notar que, no entanto, “há escolas que ainda não nos conhecem e por isso dirigimo-nos a elas, abrindo assim uma porta de comunicação”. Através do Projeto Educação LGBTI (PE), a rede ex aequo tem dado um forte contributo na promoção da igualdade e da inclusão, debatendo temas como a homo, bi e transfobia, muitas vezes expressos pelo bullying que muites jovens LGBTI – ou percepcionades como tal – sofrem diariamente nas escolas. “Temos recebido feedback muito positivo, inclusive vindo de alunes”, explica entusiasmado o Tiago, “porque no final das nossas sessões existe um momento para questões anónimas e recebemos mensagens a agradecer-nos”. Para muites jovens alunes, a primeira vez que viram discutidos aqueles temas na própria escola foi através de sessões organizadas pela rede ex aequo, “e isso é muito gratificante”, remata.

Mas o que dizem outres voluntáries sobre as suas experiências na coordenação dos núcleos e como voluntáries do Projeto Educação LGBTI? Reunimos alguns testemunhos para entender aquilo que lhes motiva.

Comecemos pela Débora Araújo. A Débora conhece a associação desde 2009 e reconhece que, como oradora no Projeto Educação LGBTI, surgem-lhe sentimentos de “gratificação, de emoção, de missão cumprida e de que de certa forma conseguimos fazer uma pequena diferença.” Este é, aliás, um projeto que pretende colmatar “as falhas ainda existentes na educação em Portugal” e que o aconselha “a qualquer pessoa, independentemente da sua orientação sexual ou identidade de género”, dado que levam “às escolas temas que não são debatidos lá de outra forma”.

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O mesmo sentimento é espelhado nas palavras do Filipe Vieira Branco, nosso autor conhecido e igualmente voluntário da rede ex aequo, ao juntar-se ao PE, porque “há muita necessidade de falar dos assuntos LGBTI no contexto escolar, onde os casos de bullying ainda são muitos”. E a descentralização é um dos fatores decisivos para alcançar mais jovens, em Castelo Branco, de onde é o Filipe, “no final de uma sessão váries alunes vieram abraçar-me e agradecer por ter ido à sua escola”.

Esta parece ser uma experiência comum à maioria da juventude portuguesa, em que a sexualidade é abordada de forma inconsistente nas suas escolas. Muitas vezes até – e apesar da lei – chega a ser simplesmente ignorada, conta-nos o Tiago naquela sala de café com decoração antiga descombinada.

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O silêncio sobre as temáticas LGBTI e identidade de género nas escolas portuguesas tem desde logo uma consequência óbvia: a invisibilidade da pluralidade das orientações sexuais da natureza humana. É isso que nos recorda Tiago Teixeira: “Vivi na invisibilidade de um rapaz homossexual sem qualquer visão de demonstração de afetos ou diálogo sobre orientações sexuais não-normativas, quer entre colegas como por profissionais de educação.” E é por esta experiência, certamente partilhada, que o Tiago entrou para o Projeto Educação LGBTI, assumindo assim “um papel ativo na mudança de mentalidades, para dar oportunidade a outres jovens de terem mais informação e não passarem por aquilo que eu passei.”

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A internet, quando bem usada, é uma fonte de informação fulcral nos dias que correm e cada vez mais jovens recorrem a sites, blogues e fóruns para recolher e partilhar informação. Esta é precisamente uma das apostas que tem marcado a rede ex aequo desde o início com um dos fóruns mais antigos e mais ativos especializado em questões LGBTI e de identidade de género em Portugal onde qualquer jovem pode comunicar com facilidade e anonimamente com outres. Tomás Barão recorda-nos que, no entanto, a experiência no PE é essencial, dado que “é completamente diferente quando lhes vem alguém à sala de aula falar sobre essas coisas esquisitas” e por isso recomenda a formação sem medo da 5ª escola ex aequo, “mesmo que não saibas nada sobre questões LGBTI, vais aprender imenso!

Mas para além do Projeto Educação LGBTI e respetivas visitas a escolas por todo o país, o Tiago explica-me que a 5ª escola ex aequo pretende rejuvenescer os grupos locais, agora chamados de núcleos, em que são criados eventos culturais, desportivos e de convívio em que jovens podem estar de forma desinibida com outres semelhantes a si, apostando assim em espaços seguros e de partilha. Foi precisamente neste contexto que o Francisco Monteiro começou a coordenar um dos núcleos, o de Lisboa, porque “quis retribuir à associação aquilo que lhe foi dado na adolescência. Quando estava a fazer o meu processo de aceitação e coming out e quis conhecer outres jovens LGBTI”, explica, “foi através do fórum e das reuniões da rede ex aequo que tive essa oportunidade e isso fez toda a diferença na minha vida.”

Estes núcleos ajudam jovens a afirmar-se e a aceitarem-se tal como são, aceitando a sua homossexualidade “como algo normal”, diz-nos Tavares, também do núcleo de Lisboa. E recorda-nos que “mudar leis e legislação é importante, mas nada significa mais para a juventude do que poder estar com outres que lhes são iguais.”

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Alexandre Gomes, do núcleo do Porto, ressalva a importância de integrar novas pessoas mais jovens para o Projeto Educação LGBTI: “Gostava de ver jovens mais noves a voluntariarem-se para este projeto, de forma a manter a proximidade com os membros que o frequentam. Com 27 anos, receio que jovens de 16 ou 20 anos não se identifiquem comigo e que esteja já longe das suas vivências, prejudicando a partilha e o apoio”. Simultaneamente incentiva a criação de novos núcleos fora do Litoral, “sejam heterossexuais, transexuais, assexuais ou bigender, se tiverem vontade de promover a aceitação e criar um espaço onde as pessoas se podem expressar livremente, criem um núcleo na vossa cidade”.

É também neste ponto que a participação na 5ª escola ex aequo poderá fazer a diferença, porque as pessoas certas permitirão a abertura de núcleos em sítios onde até agora a associação não estava presente fisicamente, sublinha o Tiago no café enquanto noto que a nossa conversa é escutada com mais ou menos atenção por um rapaz à nossa frente. São estas palavras desde já um ponto de interesse? “Bom prenúncio”, penso.

carolina-jardim-rede-ex-aequoSe queres a mudança não esperes por ela, sê parte dela”, diz-nos Carolina Jardim do núcleo do Funchal, como que a chamar estas novas vozes para o ativismo LGBTI, recordando tudo aquilo que a associação lhe proporcionou pessoalmente: “Levo tudo o que aprendi e reaprendi sobre o mundo LGBTI e o sentimento de orgulho, gratidão e satisfação por ter podido fazer parte deste núcleo e contribuir de alguma forma para a luta contra a discriminação e o preconceito na Madeira”.

É na partilha destes sentimentos e desafios a várias vozes que o Tiago, já terminado o bolo de chocolate cremoso, reitera numa espécie de chamamento: “Estamos a trabalhar para que o voluntárie sinta recompensa e integração numa equipa de trabalho. Estamos a aceitar trabalho voluntário em diversas áreas, consoante as suas preferências, seja em comunicação, grafismo, produção de texto, coordenadores para PE e núcleos, estamos juntes!” E é essa a linha que une toda esta partilha, estamos efetivamente juntes.

Por isso fica o desafio a quem desejar ajudar a construir uma sociedade mais una ou, quem sabe, simplesmente conviver e trocar experiências livremente entre jovens semelhantes a si. Basta que se inscreva na 5ª escola ex aequo e junte a sua voz a este coro.

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Nota: Texto em parceria com a rede ex aequo. A associação utiliza, desde 2016, a linguagem não-binária de forma a abranger todas as identidades de género e quebrar a linguagem binária e patriarcal.