
O diabo anda à solta!
Recentemente, a grande tenista Margaret Court teceu comentários homofóbicos e transfóbicos, afirmando que “o ténis está cheio de lésbicas. Temos de ajudá-las a ultrapassar isso”. Para ela, este lesbianismo seria fruto da influência das jogadoras mais velhas e as crianças transgéneros resultado da influência do diabo.
Após terminar a sua carreira, Margaret tem-se afirmado de diversas formas como grande crítica à evolução dos direitos LGBTI no seu país, Austrália, recusando-se, por exemplo, a viajar pela companhia aérea Qantas, após o seu apoio ao casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Para além do congelamento jurássico, o que conduzirá alguém a gastar a sua energia num ativismo ultrapassado, sobre algo que em rigorosamente nada lhe afeta a sua existência e que simplesmente se resume ao amor entre dois seres?
Sabemos, muitas vezes em nome próprio, o quanto a vida dentro do armário é feita de longos períodos de negação profunda, permeados por sentimentos de culpa e de rejeição em relação ao facto, de sentir que o mais se teme possa ser o que se é. Alguns dedicam toda uma vida, numa fuga interminável, para evitar o confronto interno, imposta pelo mundo que está à sua volta.
Não sabemos, nem podemos saber das motivações intrínsecas deste destilar de ódio de Margaret, e se temos que reconhecer as suas qualidades fantásticas como tenista, não podemos deixar de afirmar como as suas declarações são também a antítese do desportivismo – no que ele significa de ultrapassar todas as barreiras, num esforço contínuo de superação e da total entrega.
Margaret Court é a jogadora com mais Grand-Slams no ténis, jogou e privou com outras jogadoras de topo. Algumas eram assumidas, numa altura em que era difícil, quase impensável o ser. Foi graças a elas, Billie Jean King e Martina Navratilova, que o ténis feminino tem a dimensão que tem hoje. Lutaram pela igualdade, lutaram e lutam contra a misoginia, que infelizmente ainda perdura.
O ténis, o desporto em geral, deveria ser sempre um espaço em que todos pudessem sentir que têm um lugar para se exprimir e ultrapassar os seus limites, dentro de estruturas equitativas, com as mesmas regras, as mesmas chances e recompensas justas. Deveria ser, sempre, um exemplo de igualdade. Os seus heróis são modelos que muitos perseguem, se identificam e com os quais ousam sonhar-se.
Sim, vale a pena arriscar para ser @ melhor, vale a pena trabalhar para ser recompensad@, vale a pena fazer parte desta grande família que é o desporto!
Se no domínio dos Direitos LGBT percorremos um grande caminho nesta luta, não podemos nunca esquecer, nem a sua história, com a fuga de atletas para países democratas, com valores humanitários, como foi o caso de Martina Navratilova, nem hoje, em que sabemos da existência de campos de concentração para gays e da crise humanitária que vivemos, com o extremismo a proliferar.
Este hoje, que ainda se faz de comentários como estes, com tantas e tantos a superarem o que parece o impossível e serem derrotados no desporto, na vida, pelas portas gigantes dos armários que estas palavras erguem.
O ténis de alto nível é o investimento de uma vida, são horas sem fim de dedicação, anos a fio a jogar, a treinar, a viajar…
Todos, mas particularmente aqueles que entram para a sua história são os seus embaixadores, que antes de qualquer outra coisa deveriam ser os inspiradores de histórias de vida, da vitória sobre os medos e os fantasmas de se ser aquilo que se é, do enfrentar dos adversários, daqueles que teimam em querer derrubar.
O que importa uma vitória no jogo se se é derrotado no que há de mais essencial na vida?
Não deturpemos os valores do desporto e a sua missão!
Como John Mc Enroe afirmou ” Who gives a fuck!” se muitas são lésbicas ou não!
Ana Sofia Chaparreiro (ILGA Move)
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