Queer Fest traz “dimensão interventiva e de protesto”

“Quando o regresso do fascismo se declara por meio de uma escalada, em palavras e actos, da xenofobia, do machismo e da homofobia, não podem a música e as demais artes performativas outra coisa senão reivindicar para si a dimensão interventiva e de protesto que tiveram no passado. Nesse âmbito vimos assistindo em Portugal, muito particularmente, a uma multiplicação de projectos criativos que afirmam o direito à existência e à liberdade dos seus autores no que respeita à orientação sexual e à identidade de género.

Norteado tanto por critérios estéticos quanto de activismo, o Queer Fest tem como propósito reunir alguns deles num mesmo evento que possa projetar essas vozes e marcar a sua diferença numa sociedade em processo de normatização / homogeneização pela negativa, cada vez mais cinzenta e opressiva. A perspectiva é interseccional, porque a luta do movimento queer é também a luta das mulheres, a luta contra o racismo, as lutas por melhores condições de habitação e trabalho, a luta pelo ambiente. Reunir no mesmo intervalo temporal tais práticas criativas é reconhecer não só os focos de resistência que se disseminaram pelo nosso país como também a ideia de que a arte outra coisa não é do que uma crítica e uma reinvenção da vida quotidiana. Promover uma é batermo-nos pela vida das pessoas, em conjunto.”

É este o mote para Festival Queer Fest, não percam a programação repartida por três dias e dois locais:

Programação
Terça 8 setembro | 18h00 | Penha sco

“QUANDO A ARTE É QUEER”
(Debate com André E. Teodósio, Telma João Santos, Tiago Lila, Tiago Bôto, Wagner Borges, Joana D Água e Luiza Cascon. Moderação: Maribel Sobreira)
O que é uma arte queer? O que faz dela queer: o autor ou o que ela mesma expressa? Uma arte, para ser queer, tem de ser de intenção, com intenção? Precisa de ter a queerness como mensagem? Precisa de ser panfletária, militante, activista? Será necessário, mesmo, ter mensagem? Pode uma arte ser queer sem que seja esse o propósito do artista? O que passa do autor para a obra no que respeita à sua condição queer, sem o dito ter plena consciência disso? Há pinceladas queer, movimentos coreográficos queer? A música de John Cage é queer só porque Cage era homossexual? O pop-punk de Tom Robinson não seria queer se ele não tivesse cantado “Glad to be Gay”? É mais queer a arte musical de Wendy Carlos do que era quando assinava como Walter Carlos? O queer na arte tanto pode ser explícito como implícito? Toda a arte queer é inerentemente confessional? E toda a arte queer é política? Sendo as duas coisas, quer isso dizer que é simultaneamente uma arte do privado e do público?

TIAGO BÔTO & WAGNER BORGES: “TOUR DE FUCK” (vídeo)
Dupla que trabalha «a procura de um pensamento mutável, transformável, não-estanque», sempre com o corpo no seu cerne, a de Tiago Bôto e Wagner Borges – ambos actores e encenadores – tem a crueza, a fuga ao sentimentalismo e a «urgência em fazer» como características de uma assunção do risco e do confronto que leva o público a «uma abertura de fissuras na dinâmica do pensamento e da acção». Sem magoar, porque se trata de representação, de teatro. Teatro queer, especificamente, neste caso com enquadramento em vídeo.

TELMA JOÃO SANTOS (performance)
Com formação em dança e em matemática, Telma João Santos vem desenvolvendo um trabalho performativo que combina a utilização de técnicas de improvisação do movimento com a aplicação de alguns aspectos da sua continuada investigação nas ciências exactas. Especialmente interessada em factores como “corpo-imagem”, “corpo-memória” e “corpo-identidade”, os seus conceitos de performance tornaram-se emblemáticos em Portugal do específico intervencionismo artístico queer.

JOANA D ÁGUA & LUIZA CASCON (performance-concerto)
«Música de dança e intervenção»: é assim que Joana D Água e Luiza Cascon apresentam o seu Plano V, associando música, pintura e performance. Feministas e queer, os espectáculos de «arte multidimensional” do duo têm como lema «dança & tesão na área» e como finalidade o que designa por “rabapower”. É impossível ficar indiferente, é impossível não fazer a festa. «Dupla V no poder, nós somos o carnaval», mesmo quando, ou sobretudo, não é carnaval.

Sexta 11 Setembro | 18h00 | SMUP (Salão)

Pássaro Macaco (concerto)
Membro das bandas Panelas Depressão (como baterista) e Decibélicas (como trompetista), Kali tem em Pássaro Macaco o seu projecto a solo, dividindo-se entre os teclados, a voz e, claro, também a bateria e o trompete, numa perspectiva muito pessoal de uma música electrónica que está entre a pop e o experimental, em transição, trans. Paisagismos sonhadores e beats de dança convergem nos mesmos temas, uns voando pelo céu, outros cá em baixo, presos pela gravidade, mas saltando de galho em galho.

Clementine (concerto)
Antes um duo com Frankie Wolf (Shelley Barradas, antigo membro das bandas Vaiapraia e as Rainhas do Baile e Dirty Coal Train) e Lena Huracán (Helena Fagundes, em tempos envolvida em grupos femininos do Brasil como Biônica, Lava, Go Hopey e Las Dirces), as Clementine apresentam-se agora em trio, com o acrescento da Chris, mas seguindo as coordenadas de sempre. As que se enraízam no exemplo e no historial dos movimentos riot grrrls e queercore. Pós-punk com muita distorção de guitarra, praticado por mulheres.

Dead Club (concerto)
O início de um novo projecto, de nome Violeta Luz, parecia indicar que Violeta Alexandre tinha deixado para trás aquele a que se dedicou nos últimos anos, mas não. Ei-la de regresso com Dead Club e com a persona Violeta Espectro, autora de um pós-punk electrónico queer (numas versões com o acompanhamento baterístico de Pedro Melo Alves e/ou Alix Sarrouy, noutras com o guitarrista João Silveira, como é agora o caso) que muites fãs foi conquistando. Se nunca a viram ao vivo, preparem-se, pois ela vai roubar-vos a alma.

Judas (concerto)
Cantautor que também é bailarino e actor, Judas vem impondo um projecto que está na intersecção da música de dança electrónica, do hip-hop e da soul, numa queerização das referências de base africanas que, em Portugal, ainda constitui novidade. E pelo que os seus videoclips demonstram, não se trata apenas de canções sobre a moda ou o Verão: a encenação, a cenografia, os figurinos, a maquilhagem, todas as componentes visuais que acompanham o canto e o movimento, têm uma notável dimensão iconográfica.

Venga Venga (performance-concerto)
A dupla de Denny Azevedo e Ricardo Don alia a música electrónica com a muito diversa cultura musical do Brasil, num espectáculo encenado e cenografado que procura o mais puro hedonismo e a sinestesia, com temas como a apropriação cultural, as migrações contemporâneas, a diversidade sexual e a asfixia urbana. De uma extravaganza queer e tropical se trata, pondo-nos a pensar enquanto mexemos os corpos, porque nenhuma revolução em que não seja possível dançar é coisa boa.

Sábado 12 Setembro | 15h00 | SMUP (Sótão e Salão)

“O Queer como Interseccionalidade”

(Debate com Sónia Baptista, Pê Feijó, Raquel Lima, Salomé Honório, Paula Gil, Raquel Freire e Di Cândido. Moderação: Maribel Sobreira)
Conversa sobre como as lutas queer têm necessariamente de estar interligadas com outras batalhas políticas, sociais, económicas e culturais, designadamente as que têm o racismo, a xenofobia, a degradação do ambiente, os direitos laborais e a precariedade da habitação como alvo, num tempo em que os fascismos estão de regresso em vários cantos do mundo, Portugal incluído. De que forma vem contribuindo e pode contribuir o movimento queer para esses outros activismos, e vice-versa? Serão mesmo outros e não o mesmo? De que modo pode um militante queer enriquecer uma transformadora visão do trabalho ou os planos de acção contra as alterações climáticas? Que devem esperar um sindicalista ou um ecologista de uma contribuição queer? É de esperar que a aceitem positivamente, ou neste âmbito – o da união de esforços em prol de objectivos comuns – há algo que é preciso construir primeiro?

Sónia Baptista (performance)
Com formação em dança contemporânea e um trabalho que vai buscar referências à literatura, ao teatro e à música, Sónia Baptista é uma das principais figuras da performance em Portugal. O seu trabalho com «raízes eco-feministas, eco-queer, holístico-filosóficas, estranhas e entranhadas», como ela própria refere, já tomou múltiplas formas, desde uma análise da tristeza e da depressão a um questionamento da impermanência, da precariedade e da possibilidade da catástrofe, sempre na fronteira do pessoal e do universal.

Bruno Cadinha (performance)
Bailarine, coreógrafe, performer, drag queen, agit pro e activista ligade ao colectivo Lóbula, Bruno Cadinha tem desenvolvido ao longo dos anos um sólido trabalho de declarada expressão queer, em nome próprio ou associado a outros artistas, casos de Odete e Telma João Santos. Nas suas actuações, o movimento e a palavra disputam o primeiro plano, ora em registo de (auto-) questionamento, ora de afirmação. Entre o brilho das purpurinas e o mais nu despojamento, eis uma voz (um corpo) que se tornou incontornável.

Baby Sura (concerto)
Nome em ascensão no panorama queer da música portuguesa, Baby Sura representa bem o “genderbending” de uma nova geração que não se deixa condicionar pelos padrões da masculinidade e da posse («só um beijo / não quero mais», canta) e traduz isso em música. Uma música electrónica vizinha tanto do techno como do hip-hop, em formato de canção pop – por vezes até de balada, mas tão, tão diferente da de intervenção nos anos 1970 quanto poderíamos imaginar, apesar de ser ela também política.

Matriarca Paralítica & Maria do Mar (concerto)
Com o propósito de «fazer da inadequação social uma celebração eléctrica», a banda Matriarca Paralítica mergulha no punk mais essencial, aquele tocado com dois acordes de guitarra apenas. Na linha de continuação do queercore tocado por mulheres, estão envolvidos os préstimos da realizadora de cinema Francisca Marvão, da «agitadora social» Sara Conchita, de Cláudia Alves (Panelas Depressão, As Valentinas, Frik.são) e de June Nash, conhecida pelas suas colaborações com Helena Espvall, Jari Marjamaki, Tiago Sousa e Joana Guerra. Neste concerto junta-se uma convidada, a violinista Maria do Mar.

Herlander (concerto)
Um de vários artistas afrodescendentes que, entre nós, vêm lutando contra a «supremacia branca, o sexismo, a queerfobia e as regras de género», para citar a sua editora (Troublemaker Records), Herlander propõe um misto electrónico de soul e R&B que tem como ponto de partida e de chegada o seu canto tingido de melancolia, por vezes parecendo até que Flying Lotus se tornou num songwriter. Um concerto seu é, com toda a intenção, um acto de vulnerabilidade, a sua relativamente ao público, a do público em reacção ao músico…

Fado Bicha (concerto)
Tiago Lila (ou Lila Fadista, como também é conhecida) e João Caçador (este substituindo a tradicional guitarra portuguesa por uma eléctrica) canalizam os sentires e as estórias da comunidade queer pela mais lusa das músicas urbanas, o fado. Em muitos dos casos pegando no repertório tradicional do género e convertendo-o para o efeito pretendido, com “O Namorico da Rita” a surgir como “O Namorico do André” e “Lisboa Não Sejas Francesa” passando a “Lisboa Não Sejas Racista”. Fado Bicha, uma «arqueologia LGBT do fado», pois então…

Entradas:
No dia: 6 euros donativo recomendado (4 euros sócios SMUP e Cultura no Muro)
Para os três dias (ESGOTADO): 12 euros (8 euros sócios SMUP e Cultura no Muro)
Reservas: reservas@smup.pt (de segunda a sexta)

Direção artística: Rui Eduardo Paes e Maria do Mar
Co-produção: SMUP, Cultura no Muro e Penha sco

Espaço com lotação limitada.
Uso obrigatório de máscara.


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