Num período em que as reservas de sangue voltam a estar em baixo e surgem novos pedidos para que as pessoas doem sangue, homens gay e bissexuais continuam a ser impedidos de o fazer, mesmo quando não apresentam comportamentos de risco.
Esta é uma novela com vários anos, de avanços e recuos na forma como homens gay e bissexuais são tratados no momento em que vão fazer a sua doação de sangue. A verdade é que a discriminação persiste nos dias de hoje, denunciámos, aliás, um desses casos há dois anos e a situação persiste até aos dias de hoje.
Talvez porque o país se encontra numa situação especialmente difícil no que toca à luta contra a pandemia da COVID19, uma nova denúncia de discriminação no Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST), por parte de Bruno Gomes de Almeida, tornou-se viral. Nela, Bruno afirma que, apesar de não existir referência à orientação sexual da pessoa que pretende doar sangue no questionário, o técnico que o acompanhou no processo afirmou que não poderia doar sangue quando o Bruno o corrigiu em relação a “parceira sexual” em vez de “parceiro sexual” no seu caso. Isto apesar de Bruno respeitar todos os critérios escritos de acesso à dádiva. Foi-lhe dito que eram normas internas, reforçadas depois pela chefe de serviço. Bruno, justamente indignado, denunciou o caso no Instagram.
Ainda esta semana, o Grupo Parlamentar do PAN questionou o Governo relativamente a relatos de práticas alegadamente discriminatórias que implicaram a exclusão de dadores de sangue pelo facto de se declararem homens gays ou bissexuais, “colocando o ónus da sua orientação sexual e não nos comportamentos do risco que pudessem ou não estar em causa.“
De igual forma, a Juventude Socialista (JS) disse em comunicado pretender que a iniciativa legislativa do Grupo Parlamentar do PS reveja o Estatuto do Dador de Sangue “para explicitamente proibir discriminações nas condições e critérios de elegibilidade em função da orientação sexual ou identidade de género“, em conformidade com a Constituição que proíbe este tipo de discriminações. Afirma ainda serem “muitos os relatos de pessoas LGBT+ que se viram impedidas de fazer a doação” de sangue para apoiar os hospitais apenas “por serem homossexuais“.
O secretário-geral da JS e deputado Miguel Costa Matos reforçou a sua posição sobre os relatos de discriminação nas dádivas de sangue:
A JS não disputa que certos comportamentos de risco podem ser inibidores da dádiva de sangue, principalmente para proteção dos próprios pacientes. Contudo, não continuaremos a aceitar que esta discriminação seja feita não com base nos comportamentos do indivíduo, mas sim com base na orientação sexual, numa generalização grosseira justificada apenas por preconceito – Miguel Costa Matos.
Miguel Costa Matos lembrou ainda também o caso recente do Reino Unido, onde um novo critério concentra-se em comportamentos individuais, levantando uma proibição geral para todos os homens que fizeram sexo com homens nos últimos três meses. Isso significa que os homens que fazem sexo com homens num relacionamento de longo prazo e monogâmico agora podem doar sangue a qualquer momento, tal como a restante população. Esta foi uma medida considerada na altura como “histórica“.
Os casos relatados são também sustentados pela ILGA Portugal que, através de Marta Ramos, diretora-executiva da associação, afirmou estar a receber um maior número de queixas e denúncias nos últimos meses. A associação apela igualmente à clarificação dos critérios e que sejam denunciados os casos de discriminação ao IPST e à Provedoria de Justiça.
O IPST abriu uma averiguação interna a Luís Negrão, um médico do organismo após este ter afirmado que os homens homossexuais estão impedidos de dar sangue, garantindo que esta não é a posição oficial.
Em 2016 tinha sido definido o fim da proibição das doações de sangue por homens que têm sexo com homens através de uma norma da Direção-Geral da Saúde. Estava também programado que em 2019 fosse constituído um grupo de trabalho para avaliar o impacto da alteração do critério de suspensão do dador, no que diz respeito a homens que têm sexo com outros homens. Essa avaliação, prevista para o verão de 2020, não foi ainda apresentada.
Sobre a denúncia de Bruno, o IPST “não questiona a orientação sexual dos seus potenciais dadores” e que “todo e qualquer cidadão [pode] candidatar-se a dar sangue, sem quaisquer diferenças de género ou orientação sexual“. Garantiu igualmente que, “se não forem referidos comportamentos considerados de risco, nem no consentimento informado nem na triagem clínica, o dador é aceite para a dádiva“.
Importa pois que o IPST e o Governo atuem ativamente na eliminação desta discriminação que, após anos de luta, continua a barrar dádivas de sangue por mero preconceito.
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