Ucrânia: Pessoas trans estão sozinhas e sem poderem escapar após invasão russa

A Ucrânia tornou-se o centro das atenções do mundo após a invasão que sofreu por parte da Rússia e, além de toda a questão bélica, a preocupação de uma tragédia humanitária tem sido levantada com acusações de crimes de guerra por parte do exército russo. Mas, no que toca à população LGBTI ucraniana, não bastava esta estar na mira de Putin, novos desafios se levantam para as pessoas trans refugiadas que tentam fugir do país.

Duas mulheres trans disseram à Vice que não podem deixar a Ucrânia ou mesmo viajar em segurança, porque todos os seus documentos de identificação dizem “masculino” e mencionam os seus nomes masculinos dados à nascença (ou “dead name/nome morto“).

Algumas pessoas trans foram inclusive aconselhadas a perder os seus documentos de identidade por grupos de defesa dos direitos humanos, a fim de poderem sair em segurança da Ucrânia. Ativistas trans estimam que essa questão está a levar “centenas” de pessoas trans na Ucrânia a serem deixadas em “perigo” e a sentirem-se “completamente sozinhas”.

Relatos na primeira pessoa

Uma mulher trans afirmou estar “aterrorizada” de ser bloqueada ao tentar sair da Ucrânia e de ser forçada a juntar-se ao exército ucraniano “como homem” – especialmente porque as autoridades estão a impedir que homens de 18 a 60 anos saiam do país. Outra mulher trans ucraniana disse sentir muito medo de deixar o seu local atual com medo de ataques transfóbicos. Ela é a única pessoa que resta no seu bairro.

Um homem trans, que fez a transição há mais de seis anos e viveu como homem na Ucrânia desde então, tem um documento de identidade que o mostra como “feminino“. Ele contou ter medo de sair de casa e de tentar atravessar a Ucrânia, apesar dos ataques que tem sofrido o seu bairro.

Já uma pessoa ucraniana não binária explicou o seu receio em deixar a Ucrânia e ir para “lugares como Polónia ou a Hungria”, onde a sua identidade é “ridicularizada” e não reconhecida. “Preciso escolher entre o meu próprio país – onde aprendi a viver – ou um lugar totalmente estranho onde eu me sentirei ainda mais excluído e em perigo”, acrescentou.

Zi

Imagem Vice.

Zi Faámelu é uma mulher trans de 31 anos de Kyiv. Ela é artista musical e apareceu na televisão no seu país natal. Faámelu disse que não pode deixar o país e que a sua vida está em perigo.

Como centenas de pessoas trans na Ucrânia, eu sou uma mulher, mas tenho ‘masculino’ no meu passaporte e em todos os meus documentos de identidade. Esta é uma guerra dentro de uma guerra. As pessoas trans ucranianas já estavam a lutar pelas suas vidas.

Faámelu encontra-se “completamente sozinha“, dado que, mais uma vez, todas as pessoas do seu bairro fugiram. “É uma situação tão perigosa, mas estou a tentar manter-me otimista“.

Parcos Direitos Trans na Ucrânia

A Ucrânia não possui leis de autodeterminação de género, como tal, pessoas trans na Ucrânia podem obter reconhecimento legal de género, mas grupos de defesa dos direitos humanos chamaram o processo de “abusivo”, pois “viola os direitos à privacidade e integridade física“.

Perguntada por que ela não mudou seus documentos de identificação até agora, Faámelu disse que o processo na Ucrânia é “humilhante” e viu pessoas obrigadas a “ficar em instituições psiquiátricas por meses, com testes psicológicos e físicos para provar seu género”.

É muito perigoso para mim, como pessoa trans na Ucrânia, viver o meu dia a dia, mas agora a situação é impossível. Muitas pessoas LGB na Ucrânia podem misturar-se com o resto da sociedade, mas para as pessoas trans é impossível. Há tantos traços físicos pelos quais somos atacadas – queixo grande, ombros largos – somos espancadas, somos mortas. Precisamos sair agora, mas nem podemos sair dos nossos apartamentos. Verão o meu passaporte e verão ‘masculino’, verão meu nome de nascimento, chamar-me-ão de homem de vestido e me atacarão.

Faámelu contou que pessoas trans foram ameaçadas por indivíduos com armas na sua zona de residência.

Estou ainda mais assustada por estar na Ucrânia, porque muitas pessoas têm agora uma arma. Os meus agressores têm uma desculpa para concretizar o seu ódio e violência. As pessoas sabem onde eu moro. Qualquer som lá fora é assustador”, disse.

Ser LGBTQ na Ucrânia pode colocar a vida em risco. Ataques contra pessoas com base em sua sexualidade e identidade de género são comuns e a polícia apenas “fica de braços cruzados e assiste”.

Robert

Imagem Vice.

Robert, de 31 anos, é um homem trans que morava em Kharkiv. Os anos de Robert com testosterona levaram-no a “ser capaz de passar como qualquer outro homem”, mas o seu documento ainda diz que ele é “feminino” e, como restantes pessoas mencionadas, usa o seu nome de nascimento.

Os meus pais tentaram matar-me quando me assumi trans,” disse. “Toda a gente me conhece como ‘ele’, porque ninguém conhece minha situação. É por isso que estou em tanto perigo agora.”

Estou com tanto medo da minha vida“, acrescentou Robert. “Muitas pessoas ofereceram-se ajuda assim que eu chegar a diferentes países, mas não consigo atravessar o meu país assim. O problema aqui é que você pode parecer uma coisa, mas os seus papéis dizem outra.”

A Organização LGBTQ Rain Dove dá apoio no terreno

Robert está a ser apoiado pela organização ativista LGBTQ Rain Dove, que recentemente criou um grupo e um fundo para ajudar diretamente “pessoas LGBT, pessoas com deficiência e famílias” presas na Ucrânia. O grupo apoiou “mais de 700 pessoas” a sair da Ucrânia, e muitas delas são LGBTI. “Tivemos pessoas trans refugiadas a ser rejeitadas nalgumas fronteiras, mas todas as que apoiámos acabaram por conseguir escapar.

A organização recomenda que mulheres trans com um ‘M’ no seu passaporte ‘percam’ o seu documento antes de falar com as autoridades ucranianas. Poderão esconder o seu documento numa garrafa de água ou num sapato. Se a pessoa for parada, poderá simplesmente dizer que não é da região, poderá dizer que é estudante na Ucrânia ou estava apenas a visitar o país. Sem uma identificação, será enviada para uma longa fila de pessoas estrangeiras, mas falará com pessoal das nações limítrofes e poderá apresentar a sua identidade sem problemas. A organização disse que este esquema funcionou 100% das vezes.

Por outro lado, um homem trans com um ‘F’ no seu documento de identidade, pode ser chamado pelas autoridades ucranianas. Dirão que deve então lutar pelo país. Infelizmente, é algo comum, disse a LGBTQ Rain Dove que voltou a abrir portas a que estes homens, se possível, escondam a sua identidade, mas, reconheceu, algumas pessoas “ficaram para lutar.”

Questionado sobre o que as pessoas podem fazer para ajudar, Rémy Bonny, diretor executivo da Forbidden Colours, disse: “Por favordoe para iniciativas que estão a ajudar pessoas refugiadas LGBTI da Ucrânia. E lembrou que são esperadas 100.000 pessoas refugiadas LGBTI nas próximas semanas na Polónia, Hungria e Roménia. “Os campos que recebem pessoas refugiadas provaram não ser espaços seguros para pessoas LGBTQ.


O CENTÉSIMO OCTAGÉSIMO QUINTO episódio do Podcast Dar Voz A esQrever 🎙️🏳️‍🌈 é apresentado por nós, Pedro Carreira e Nuno Miguel Gonçalves. Estamos uma semana atrasados mas não vamos colocar a culpa em ninguém senão o Nuno. Ainda ressacados da visita da Madonna, falamos… purum, de religião. Começamos pelas tentativas da Embaixada de Israel em Portugal de recrutar aliados na comunidade LGBTI e falamos nos novos desenvolvimentos na Igreja Católica e caminho (tortuoso) de aceitação de pessoas trans. No meio falamos de terapias de conversão, da Jamie Lee Curtis, mommy issues e ainda temos tempo de Dar Voz A… Baldur's Gate 3, o jogo do ano (?) para consolas e PC. Artigos mencionados no episódio: rede ex aequo denuncia tentativa de instrumentalização da comunidade LGBTI por parte de Israel Papa Francisco confirma que pessoas trans podem ser batizadas e ser padrinhos ou madrinhas, mas desde que “não haja risco de gerar escândalo público ou desorientar fiéis” Sobreviventes de ‘terapias de conversão’ falam sobre as suas experiências em novo documentário: “quase destruiu a minha vida” Jamie Lee Curtis critica a homofobia e a transfobia ’em nome da religião’ Jingle por Hélder Baptista 🎧 Este Podcast faz parte do movimento #LGBTPodcasters 🏳️‍🌈 Para participarem e enviar perguntas que queiram ver respondidas no podcast contactem-nos via Twitter e Instagram (@esqrever) e para o e-mail geral@esqrever.com. E nudes já agora, prometemos responder a essas com prioridade máxima. Podem deixar-nos mensagens de voz utilizando o seguinte link, aproveitem para nos fazer questões, contar-nos experiências e histórias de embalar: https://anchor.fm/esqrever/message 🗣 – Até já unicórnios  — Send in a voice message: https://podcasters.spotify.com/pod/show/esqrever/message
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4 comentários

  1. Realmente a ação da testosterona, “convence” o homem trans, como se biológico fosse! Já a progesterona, não tem esse alcance em relação a mulher trans: o biotipo masculino permanece, especialmente na musculatura!

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