
“Eu sou a minha própria mulher”, sobre as vivências de uma mulher trans, estreou nos EUA em 2003 e, depois de ter passado pelo Teatro Experimental de Cascais, é reposta pelo Festival de Almada. Conta com encenação de Carlos Avilez e é protagonizada por Marco D’Almeida. As críticas de transfake foram imediatas.
A peça conta-nos a biografia de Charlotte von Mahlsdorf, uma pessoa trans que viveu sob o regime nazi, primeiro, e depois na Berlim oriental da República Democrática Alemã. A história desta persona cruza-se com a do próprio autor do texto, que conhece Charlotte em 1992, Doug Wright.
Acontece que a Charlotte é protagonizada por Marco D’Almeida, um ator cis, e as críticas de transfake, ou seja, a representação de uma personagem trans por artista cis que promove estereótipos e a invisibilidade das próprias pessoas trans. O termo transfake faz referência à expressão blackface, uma prática racista na qual pessoas artistas brancas pintavam a cara para desempenhar personagens não brancas.
Nota de repúdio não foi suficiente para sensibilizar organização
Esta reposição da peça surge após nota de repúdio quando a mesma foi apresentada no Teatro Experimental de Cascais (TEC) entre fevereiro e março de 2022. Na mesma pode ler-se que “o texto de divulgação do TEC descreve Charlotte numa retórica transfóbica, tão simplista quanto sensacionalista, tornando a sua identidade de género um foco de atenção. Nas palavras do TEC, e depois reproduzido e promovido pela DGArtes, Charlotte seria como “uma mulher nascida num corpo masculino”, ou mesmo “um homem que era uma mulher que era Charlotte”. Ao fazê-lo, desrespeita a identidade de Charlotte enquanto mulher, e reproduz um conjunto de estereótipos em torno de corpos trans como corpos confusos, equívocos, ou ridículos.”
Como se não bastasse, “a imagem de divulgação do espectáculo salienta ainda mais esta espetacularização redutora da diferença de género, direcionada a audiências cisgénero. Representa duas imagens de Miguel d’Almeida – com e sem peruca.”
A petição considera o casting de Marco d’Almeida para representar Charlotte von Mahlsdorf “uma escolha transfóbica, violenta, e excludente. O casting de um ator cisgénero para representar uma mulher trans perpetua um conjunto de presunções transfóbicas, pelas quais pessoas cisgêneras capitalizam sobre as vidas e vivências de pessoas trans. Isto reproduz uma dinâmica tanto de exclusão simbólica como de exclusão profissional, que pontua a experiência de artistas trans e não binário e a sua relação com o sector cultural.”
As críticas de transfake por parte de artistas e pessoas trans foram imediatas
Transfake, e tudo o que representa, foi mesmo o grande apontar de dedo por parte de artistas e pessoas trans:
“Então, voltamos a isto. O Festival de Almada não considerou que a nota de repúdio e os múltiplos I
pronunciamentos negativos de pessoas trans e queer fossem relevantes o suficiente para deixar de convidar
esta produção teatral de homens cis a brincarem com a memória de uma mulher trans. Apelamos à vossa mobilização lá na caixa de comentários! De ressaltar que esta peça teve o apoio da Direção-Geral das Artes. Eles estão-se pouco borrifando, quando um bando de homens cis quer fazer uma coisa, fazem, passando por cima de qualquer sensibilidade. Mas a nós, já não nos calam!” – Fado Bicha.
“O ego é tão grande que cega, ensurdece, não tem nada de real aí. Não é arte, é só pequeno. Que dó. #transfake ” – Lari.
“Muito, mas muito mau. Quando a cultura exclui pessoas trans mas usa as suas histórias. Vergonhoso.” – Jo.
“TRANSFAKE; assistam Disclosure na Netflix para entenderam como colaboram com a prática do transfake com a produção desta obra”. – Maria Lucas.

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