Estudo mostra como esmagadora maioria do discurso de ódio online não é denunciado

Estudo mostra como esmagadora maioria do discurso de ódio online não é denunciado

Nos últimos anos tem-se verificado uma tendência crescente do discurso de ódio online, mas a sua denúncia continua a ser uma exceção. Um estudo pelo Centro de Psicologia da Universidade do Porto encontrou uma grande disparidade entre a ocorrência do assédio com base no preconceito e a sua queixa.

De facto, as estatísticas oficiais muitas vezes não refletem a extensão real das ofensas devido a este hiato. Mesmo em países onde o discurso de ódio é considerado crime, como Portugal e Espanha, as penas aplicadas são poucas e há poucas ou mesmo nenhuma denúncia criminal”, refere o relatório.

Segundo a Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia, 89% dos incidentes de assédio motivados por preconceito não são denunciados e apenas 4% das vítimas apresenta queixa às autoridades competentes.

O estudo é coordenado pela investigadora Isabel Rocha Pinto que, em declarações ao Expresso, explicou que “existe uma falta de consenso legal nos países europeus, não apenas sobre se o discurso de ódio é um crime, mas também sobre como denunciá-lo. E isto gera ambiguidade”. Ainda há um caminho de formação e sensibilização a fazer quando “muitas pessoas ainda consideram que não faz mal, porque pode ser uma piada, porque pode ser liberdade de expressão, pode ser bullying. A própria vítima não se identifica enquanto tal“.

O estudo refere também as fragilidades dos sistemas de controlo implementados pelas plataformas de redes sociais para reduzir a má conduta. A deteção do discurso de ódio está unicamente dependente de algoritmos e da vontade da pessoa em denunciar. No entanto, a perceção de que estes mecanismos são ineficazes e que não há reais consequências a quem comete esse assédio e abuso reduz a motivação para a queixa.

As redes sociais contribuem para o crescimento do discurso de ódio ao permitirem que alcance uma audiência mais vasta sem, no entanto, oferecer uma solução para lidar com o problema”, conclui o estudo.

Estas conclusões vão ao encontro de outros estudos que também mostram como as redes sociais não estão a fazer o suficiente para proteger, por exemplo, as pessoas LGBTI+ contra este tipo de abusos.

Vítimas do discurso de ódio não têm motivação para o denunciar, pois sentem que o fazem em vão

Sem a motivação para a denúncia, as testemunhas ignoram os crimes de ódio a que assistem. Este fechar de olhos impede que haja uma perceção oficial da real dimensão do fenómeno e perpetua-o. É o chamado “Efeito Espetador”.

Quando queremos denunciar, os botões de reporte não funcionam, não acontece nada. Para o ofensor isto significa que é legítimo, que estas interações são normais. Como resultado, o ódio contra grupos socialmente vulneráveis continua e é tolerado pela maioria dos utilizadores, sem consequências para quem agride. Uma solução passa pela existência de mecanismos de reporte nas instituições, nas escolas, por exemplo, nas universidades, para haver diversidade e igualdade de direitos”, explica Isabel Rocha Pinto.

De acordo com a Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa, o racismo e a xenofobia são a principal motivação das ameaças baseadas no ódio na UE. Representam cerca de 2 mil casos denunciados em 3.370, entre 2016 e 2020. A Europa enfrenta o desafio do aumento de expressões de ódio especialmente dirigidas contra pessoas muçulmanas, judias, ciganas, migrantes, LGBTI+ e mulheres. A liberdade de expressão não é – nem pode ser – absoluta e vazia, porque traz no seu conceito a proteção de grupos historicamente perseguidos.

A investigação mostra que a invisibilidade das interações leva a que as pessoas se sintam menos responsáveis perante as outras, apresentam níveis mais elevados de desinibição, conduta enganosa, falta de empatia e descomprometimento moral relativamente à própria má conduta. Daí que seja fundamental a denúncia face o discurso de ódio.

As situações de discriminação LGBTI+ podem ser denunciadas no Observatório da ILGA Portugal.