Quando as marcas voltam ao armário: o que nos diz o recuo corporativo no Pride?

Quando as marcas voltam ao armário: o que nos diz o recuo corporativo no Pride

Durante anos, junho foi sinónimo de logótipos arco-íris, campanhas de Pride e declarações públicas de apoio à comunidade LGBTQ+. Essa presença tornou-se quase um barómetro simbólico de inclusão corporativa. Mas em 2025 esse cenário mudou de forma abrupta. O silêncio de muitas grandes marcas não passa despercebido e levanta questões incómodas sobre compromisso, medo e conveniência.

Uma análise recente do The Guardian revela uma quebra expressiva nas menções ao Pride nas redes sociais de grandes empresas. No Reino Unido, a redução ronda os 92% em apenas dois anos. Nos Estados Unidos, a descida aproxima-se dos 54%. Não se trata de casos isolados, mas de uma tendência transversal.

Números que contam uma história

Empresas que até há pouco tempo marcavam presença ativa no Pride, como Unilever, AstraZeneca ou HSBC, reduziram drasticamente a sua comunicação pública. A exceção mais citada é a Apple, que reforçou a visibilidade do Pride, contrariando a tendência dominante, em 2025 numa lógica de que a exceção confirma a regra.

Os dados não explicam tudo, mas apontam para uma retração consciente. A visibilidade deixou de ser vista como neutra ou segura. Em muitos contextos, passou a ser entendida como um risco reputacional ou político.

O peso do contexto político

Este recuo não acontece no vazio. Nos Estados Unidos, o enfraquecimento de políticas públicas de diversidade e inclusão, após decisões tomadas por Donald Trump, criou um ambiente de desconfiança e contenção. A mensagem implícita para as empresas foi que apoiar direitos LGBTQ+ pode ter custos.

Esse clima espalhou-se para além das fronteiras estadunidenses. O crescimento de discursos anti-direitos, a normalização do ataque a pessoas LGBTQ+ e a hostilidade nas redes sociais tornaram o Pride um terreno mais conflituoso para marcas globais.

Para além do arco-íris de junho

Simon Blake, diretor executivo da Stonewall, explicou “que se trata de caminhar todos os dias do ano, em vez de fazer um arco-íris colorido durante o mês do Pride”. No entanto, “também acho que é importante que nos certifiquemos dar visibilidade a bandeiras e outras coisas porque elas enviam o sinal.

O compromisso real não se mede meramente por um logótipo colorido, mas por políticas internas consistentes, proteção de pessoas trabalhadoras LGBTQ+ e posicionamento firme quando o contexto se torna adverso.

Desde cedo que o fenómeno do pinkwashing foi questionado e surgiram avisos sobre a transformação do Pride numa montra publicitária. Muitas pessoas na comunidade sempre alertaram para o risco de um apoio superficial, desligado de práticas concretas.

O problema do silêncio

O momento atual, porém, é diferente. Observa-se um apagamento, um regresso ao armário até. Quando marcas deixam de comunicar sem explicar porquê, o silêncio ganha leitura política. Para quem vive diariamente discriminação e insegurança, esse silêncio é facilmente interpretado como recuo ou abandono.

Algumas empresas garantem que o trabalho interno continua, através de redes de pessoas colaboradoras e políticas de inclusão. Isso é relevante, mas insuficiente enquanto resposta pública. A visibilidade sempre teve um papel de legitimação social, sobretudo em contextos hostis.

Menos marketing, mais coragem?

É legítimo questionar se este recuo pode abrir espaço a um compromisso mais sério e menos oportunista. Menos campanhas vazias, mais investimento estrutural e mais coerência entre discurso e prática.

Mas isso exige transparência e coragem. Exige dizer por que se muda de estratégia. Exige manter posições quando o custo aumenta. Caso contrário, o Pride deixa de ser apenas uma campanha abandonada e passa a ser mais um sinal de que a inclusão é negociável.

O Pride nunca foi apenas celebração. Foi sempre resistência, visibilidade e afirmação política. Quando grandes marcas se afastam dele, não desaparece o conflito. Apenas muda quem fica exposto.

A questão central permanece aberta. Este é um ajuste necessário ou um retrocesso perigoso? A resposta não está nos logótipos, mas nas escolhas que as empresas fazem quando o arco-íris deixa de ser confortável.


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