Depois de uma viagem lúdica a Nova Iorque, voltei aos Estados Unidos em trabalho no mês passado e fiquei a conhecer Chicago e Minneapolis. Atento à nova onda de mudança a acontecer no país aquando da legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, estava curioso para experienciar se duas cidades tão diferentes tinham a mesma atitude perante pessoas gay.
Chicago é a terceira maior cidade dos Estados Unidos e como tal o espírito cosmopolita e efervescente de uma metrópolis das suas dimensões estava bem presente na personalidade da cidade. Em dias de Verão perfeitamente sufocantes vi que, apesar de não tão diversa e utópica como Nova Iorque, Chicago é também um local de multiculturalidade banhada pelo lindíssimo Lake Michigan na qual a comunidade LGBT pode viver de forma quase despreocupada e o mais perto do ídilica possível.
Ao contrário de Nova Iorque onde cada vez mais as zonas gays se difundem por toda a cidade, apesar da faixa abaixo de Midtown, Chicago possui dois grandes centros de actividade LGBT a norte da cidade. Uma delas é a famosa Boystown, nomeadamente a parte norte da Halsted Street, recheada de bares e restaurantes dedicados à comunidade, com marcos a delimitarem a zona que servem de monumentos a pessoas importantes na cidade na luta pela igualdade de direitos das pessoas LGBT em Chicago.
Mas a contrapor a agitada, boémia e noctura Boystown existe Andersonville e essa foi uma tremenda surpresa. A poucos quilómetros a norte da ebulição do Loop e do centro de Chicago, existe este espaço de paraíso comunitário que parece assemelhar-se a uma pequena cidade do interior dos Estados Unidos, com os seus bairros residenciais acolhedores e silenciosos em que as casas se apresentam escondidas por bétulas e carvalhos e vivem-se cenários de jantares no quintal entre amigos que pareciam retirados de anúncios da Apple.
A rua central, Clark Street, cheia de lojas e restaurantes onde a temática LGBT se imiscui perfeitamente no cenário e se torna natural e não forçada aquela vivência quase bucólica entre pessoas do mesmo sexo, que andam abertamente de mão dada na rua enquanto escolhem um sítio para jantar. Se Boystown é a meca da noite, Andersonville é o seu contraponto de fantasia residencial e provavelmente dos melhores refúgios LGBT nos Estados Unidos.
Por outro lado Minneapolis, capital do estado do Minnesota, mais conhecido pelos seus cenários gélidos e invernosos no filme e série Fargo, é uma cidade bem mais pequena e pacata mas também surpreendentemente afável e acolhedora, pelo menos nos meses mais quentes do ano. Sem a quantidade de arranha-céus de Chicago aparte da zona mais central, é uma cidade industrial reformada em que muitas das zonas de fábricas são agora locais de entretenimento nocturo. É também berço de um dos mais respeitados institutos de arte moderna nos Estados Unidos, o Walker Institute, que, para além da sua colecção permanente sediado ao lado do iconográfico parque de esculturas, promove também uma série de eventos culturais na cidade, nomeadamente sessões de música e cinema no Loring Park. Na altura da visita tive a sorte de numa noite quente de Verão assistir juntamente com centenas de pessoas a Barbarella, filme sci-fi kitsch de culto essencial da iconografia gay feito no final dos anos 60 protagonizado pela sublime Jane Fonda.
Anda-se de bicicleta para todo o lado, e um dos percursos mais encantadores começa nas margens do Mississippi, o quarto maior rio do mundo que nasce mesmo no Minnesota, e cujo trilho atravessa a cidade de encontro com a zona de parques e lagos a Sul da cidade. Como cidade mais pequena esperar-se-ia uma maior contenção do orgulho gay mas ele estava espelhado em todo lado, fosse em bandeiras de arco-irís em lojas e até apartamentos, ainda a celebrar a universalidade do casamento por todos os estados, ou em bares e até anúncios pelas ruas.
A minha visão da situação LGBT nos Estados Unidos é extremamente reduzida e priveligiada, restrita a grandes cidades e totalmente democratas. A situação nos denominados Red States é bem diferente, onde o conservadorismo republicano e religioso é ainda extremamente ameaçador e preocupante para casais do mesmo sexo e ainda mais para pessoas trans e diariamente somos bombardeados com histórias dilacerantes de discriminação e perda de vida por pessoas como nós que meramente tentam viver a sua vida na verdade delas próprias. Não deixa de ser no entanto reconfortante verificar que existem já alguns locais de refúgio onde podem ser exactamente quem são e concretizar todo o seu potencial pessoal e profissional sem represálias, homo – ou transfobia ou esgares perniciosos. Os Estados Unidos da América não são ainda certamente o estandarte de liberdade que anunciam ser nos seus princípios primários mas talvez lentamente caminhem nessa direcção. E o resto do Mundo assiste. Atentamente.