Num Cinema São Jorge recheado, aconteceu ontem a sessão de encerramento do festival Queer Lisboa 19 com o filme “Eisenstein in Guanajuato“.
O Juri da Competição de Longas-Metragens composto por Lia Gama, Nuno Sena e Roberto Olla decidiu os vencedores dos seguintes prémios:
Melhor Longa-Metragem: Amor Eterno.
Sinopse: Durante uma das muitas incursões na floresta em busca de sexo, Carlos é surpreendido ao deparar-se com um dos seus alunos da escola de línguas. Toni, o seu aluno mais introvertido, não se encaixa no perfil das pessoas que frequentam esse lugar, nem tão pouco os estranhos amigos que o acompanham. Após um furtivo encontro sexual entre professor e aluno, Carlos tentará manter a distância com o jovem. Mas a impressão que Toni lhe deixou é muito forte, especialmente quando a aura de mistério em torno do rapaz e dos seus amigos acaba por ser o que de mais atraente existe naquela floresta encantada.
Melhor Actor: Nahuel Pérez Biscayart (Je Suis À Toi)
Melhor Actriz: Cheng Pei Pei (Lilting)
Prémio do Público da Competição de Longas-Metragens: Lilting [poderão ler o nosso comentário ao mesmo aqui]
O Júri da Competição de Documentários, composto por António Câmara Manuel, Camilo Azevedo e Charlotte Lipinska, decidiu atribuir o Prémio de Melhor Documentário ao filme Call Me Marianna de Karolina Bielawska.
Sinopse: Marianna é uma atrativa mulher de 40 anos que acaba de processar os pais a fim de conseguir uma mudança de sexo. Alienada pela mãe e ignorando os seus melhores amigos, procura refúgio num grupo de teatro onde chega a termos com a sua situação ao ensaiar uma peça baseada no seu próprio passado. Já em contagem decrescente para a cirurgia, Marianna começa um romance improvável com um homem mais velho que lhe oferece um raio de esperança, mas continua atormentada pela ideia de perder o que lhe é mais querido, a sua família, o que não a faz esquecer os sacrifícios permanentes que enfrentamos para sermos nós mesmos.
Prémio do Público da Competição de Documentários: The Battle Of The Sexes.
O Júri da Competição de Curtas-Metragens, composto por Bilge Taş, Mariana Gaivão e Jean-Sébastien Chauvin, decidiu atribuir o Prémio de Melhor Curta-Metragem ao filme That Day of the Month, realizado por Jirassaya Wongsutin.
Sinopse: Goy e Lee, duas raparigas do 12º ano, são melhores amigas e colegas de carteira. Sem atrasos, todos os meses as raparigas têm o período simultaneamente. Até hoje.
Prémio do Público de Curtas-Metragens: Chá Da Meia-Noite de Sibila Lind.
Sinopse: Jo lutou, sofreu, manifestou-se em público, deixou-se rebaixar pela imprensa. Mesmo assim, a sua mensagem não passou. Foge à definição de transsexualidade por não ter a necessidade de fazer a cirurgia de redesignação de género. Na casa da Murtosa, onde passa metade do ano com o companheiro Alexandre, construiu uma espécie de muralha: obras de arte a ocupar os quartos e, pela primeira vez, uma sensação de paz.
O Júri da Competição In My Shorts, composto por Cláudia Jardim, Diogo Costa Amarante e Pedro Fernandes Duarte, decidiu atribuir o Prémio de Melhor Curta-Metragem de Escola a Irene.
Sinopse: Um homem e uma mulher descobrem que serão pais, e começam a registar o seu relacionamento através de uma câmara de vídeo. Com o nascimento da criança, o registo inicial das filmagens altera-se. A história recai sobre o mundo e olhar de um protagonista quase ficcional: Irene. A sua existência anacrónica permite a abertura de um memento de imagens que impossibilita a distinção entre o passado e o presente, ficção e realidade. Irene é um alter-ego e arquétipo da fragilidade de um indivíduo e do seu deambular.
O mesmo Júri atribuiu ainda Menção Honorsa aos filmes Juillet Eléctrique, de Rémi Bigot e François Peyroux e a Tant Pis Capítulo Um, de Bruna Rodrigues.
Por sua vez, o Júri da Competição Queer Art, composto por Justin Jaeckle, Marc Siegel e Susana de Sousa Dias, decidiu atribuir o Prémio de Melhor Filme Queer Art a Nova Dubai, de Gustavo Vinagre.
Sinopse: Num bairro de classe média numa cidade do interior do Brasil, a especulação imobiliária ameaça os espaços afetivos da memória de um grupo de amigos. A sua resposta perante esta iminente transformação é fazer sexo em locais públicos e nessas construções. E o amor? É apenas mais uma construção?
O mesmo júri atribuiu ainda uma Menção Honrosa a Pauline S’arrache, de Émilie Brisavoine. [poderão ler o nosso comentário ao mesmo aqui]
Sinopse: Tudo começa como num conto de fadas: uma rainha, um rei e os seus belos filhos, Pauline, Anaïs e Guillaume. Mas é um pouco mais complicado, um pouco mais funky do que isso. O rei usa saltos altos, a rainha tenta recuperar o tempo perdido e os seus herdeiros tornaram-se rebeldes. Está tudo fora de controlo, Pauline desenha o seu plano de fuga.
E foi então sobre o signo de Peter Greenaway que se encerrou o certame do Queer Lisboa 19. O famoso realizador de cinema independente britânico, conhecido por obras como “The Cook, the Thief, HIs Wife and Her Lover“, foi uma escolha inteligente para o último filme a ser exibido na histórica sala do São Jorge que tinha acabado de presenciar a passagem de inúmeros filmes que marcaram pela diversidade e, alguns, pela audácia de contar algo normalmente deixado abandonado nas sombras. Greenaway nunca foi conhecido pela sua subtileza e “Eisenstein in Guanajuato” é simbólico disso mesmo, um corajoso filme que acompanha o realizador máximo dos primórdios do cinema, o russo Sergei Eisentein, numa viagem ao México com o intuito de rodar a sua próxima obra.
Contudo o realizador, notório também em Hollywood depois do seu opus “Battleship Potemkin“, encontra na cidade central mexicana de Guanajuato não só um mundo quente e fervente que parece a antítese da soturna e inóspita Mãe Rússia mas também o seu próprio despertar sexual. A personalidade infantil e egocentrada do realizador, responsável parcialmente pelo sucesso dos seus filmes, é também um reflexo de uma repressão aviltante dos seus instintos sexuais, deixados de lado em prol da inspiração e coerência artísticas. Tudo muda quando conhece e se rende a Cañedo, um académico mexicano que é nomeado o seu guia em Guanajuato,que o obriga a mudar radicalmente as suas prioridades.
Num local onda a Morte e a Vida andam de mãos dadas sobre o mesmo Sol, Eisenstein, representado com arrojo pelo actor finlandês Elmer Back, vê a sua vida transfigurada e Greenaway consegue capturar alguma dessa demolição de valores e ideologias. Existe nas cores garridas e no calor mexicano uma iluminação maior do que é verdadeiro, sem perturbações intelectuais e onde o Homem parece mais perto da sua verdadeira essência. Contudo o tom histriónico que caracteriza o britânico e inunda todo o filme nem sempre funciona e em alguns momentos torna-se até invasivo e retira o espectador de toda a experiência exuberante e crua do mesmo.
No entanto, não deixa de ser um belo e memorável final para um festival que normalmente afirma a sua maturidade e crescimento. Aos dezanove anos, o Queer Lisboa deixou a adolescência e está cada vez menos limitado pelo rótulo do “cinema gay”. Mais maduro e ansiando ligar-se a outras pessoas e experiências, apresentou-nos este ano um dos seus mais variados e marcantes cartazes. E, felizmente, cada vez mais nos aproximamos do dia em que “Queer” é significado de tão somente isso: diversidade e inclusão.
Fonte: Queer Lisboa.