Hoje apresentamo-vos a entrevista que fizemos a Cátia Filipa Silva, autora do livro “Sem Preconceito” e onde ela nos fala da sua experiência ao crescer próxima de Fátima, onde a Igreja tem ainda uma forte influência, e em como o seu livro pretende ser uma voz a todos aqueles que se sentem desamparados por serem diferentes. Vale a pena ler:
Com o livro “Sem Preconceito” recentemente publicado, quem é a autora Cátia Filipa Silva?
Eu cresci numa pequena aldeia rural, próxima de Fátima, onde se cultivam afincadamente os valores e tradições religiosos, ouvir falar de homossexualidade era extremamente raro e era associado a uma grande carga negativa. Sempre me senti um pouco diferente e desenquadrada, até que conheci alguém com quem hoje em dia partilho uma relação. Definir-me como homossexual fez o pequeno mundo que eu tinha como “certo” desabar, durante um tempo senti que muitas portas se fecharam na minha cara, no entanto sentia-me feliz por ser verdadeira comigo própria. Descobri que não fazia sentido esconder quem eu era e então pensei que não devia ser a única a sentir na pele a rejeição e achei que devia de alguma forma contribuir para que mais pessoas como eu perdessem o medo de se assumir. Como gosto muito de escrever, comecei a passar para o papel uma história que imaginava na minha cabeça, ao que, no final de algum tempo se transformou no romance que hoje é conhecido sob o nome “Sem Preconceito”.
E de que fala o livro?
Este livro relata a história de um adolescente que está a atravessar um período complicado e depressivo, sente-se perdido e com saudades da mãe, única família que conheceu e que perdeu quando era ainda muito novo. Para acalmar essa dor Miguel envolve-se em caminhos perigosos como a droga e acaba por sofrer as consequências das suas escolhas. É apoiado por Ortense, a sua tutora e amiga da mãe e por David, um amigo pelo qual desenvolve sentimentos que lhe eram estranhos e que lhe dá a força necessária para voltar a caminhar de cabeça erguida.
Mais tarde Miguel e David enfrentam um novo desafio, o pai que abandonou Miguel e a mãe, voltou a entrar na sua vida e não da melhor forma, ao aperceber-se da relação que os dois mantinham, Tomás diz ter vergonha do filho e tenta raptá-lo para o manter em cativeiro e dar-lhe o que ele definia como “uma nova educação”. Após alguns dias Tomás é finalmente capturado e paga pelos crimes que cometera no passado contra várias mulheres, enquanto Ortense, que durante algumas décadas esperara pelo marido, um militar desaparecido e dado pelo exército como perdido em combate, pensando que ele estaria vivo e que voltaria a casa, não chegou a ter oportunidade de ver o seu desejo tornar-se realidade e embora separados, ambos partem ao mesmo tempo para se reencontrarem noutro plano.

O facto de viveres próximo de Fátima, por tradição a capital religiosa nacional, influenciou de alguma forma o livro e a sua história?
Creio que não, quanto muito deu-me força para não desistir. Acho que faz falta diferentes pontos de vista, as pessoas devem estar em contacto com a diversidade para se habituarem e poderem aceitá-la.
Acreditas, presumo então, que a proximidade a outras pessoas ajuda a que elas nos aceitem tal como somos? Tens alguma história ou experiência que nos possas partilhar?
Sim, mais ou menos, acredito que escondermo-nos não ajuda a mudar consciências. Não digo que devemos abusar da liberdade, mas sim utilizá-la, ainda que moderadamente, para que não só nós, como pessoas LGBT, nos possamos ajustar a sociedade mas também a própria sociedade se ajustar a nós criando um caminho partilhado em conjunto. Acredito que esse processo possa ser lento e demorado, há 60 anos o ‘casamento gay’ era impensável e impraticável, contudo hoje em dia já existem casais homossexuais unidos pelo matrimónio em Portugal. A minha experiência pessoal neste aspeto é um pouco vaga, mas de uma forma geral noto, felizmente, que a maioria das pessoas se tem vindo a adaptar à diferença e a compreender que não está correto separar casais por “certo ou errado”.
E notas essa diferença mesmo em pessoas mais religiosas? O actual Papa Francisco tem dado alguns pequenos passos no sentido da aceitação das pessoas LGBT, achas que se tem reflectido a sua influência quanto a esse assunto sempre tão problemático no seio da comunidade católica?
Sim, sem dúvida que esse facto ajuda bastante, contudo creio que não é apenas uma questão de religião mas também de abertura de mente, estou inclinada em acreditar que cada indivíduo é um caso diferente, nós vemos que existem pessoas extremamente devotas que nos aceitam e pessoas não tão aficcionadas que criticam e não aceitam as pessoas LGBT. A questão do Papa Francisco “dar a mão” ao mundo LGBT para mim já fazia sentido há muito tempo, penso que devia até ter sido mais cedo pois não creio que a religião ou os ensinamentos antigos impeçam duas pessoas de se amar, independentemente da cor, género ou ideais, contudo, é muito positivo ver que dentro da instituição religiosa começa a existir o bichinho da mudança.
Esse bichinho da mudança que falas pode também ser alimentado pela literatura. Será também esse o intuito do teu livro “Sem Preconceito” que nos falaste no início: marcar a diferença, dar visibilidade a uma condição e, talvez, dar rumo e força a quem precise deles. Sentes que esse tal bichinho tem vindo a crescer? Que tipo de reações tens tido por parte das pessoas que o têm lido?
Sinto que, apesar de ainda haver certas exceções, a maioria das pessoas começa a aceitar-nos, sem dúvida que o “bichinho” se instalou e começou a remexer consciências e ideais, creio que podemos agradecer não apenas à literatura mas também à internet e aos programas televisivos. O “Sem Preconceito” foi criado por uma mente inquieta para ser lido por outras mentes inquietas, embora a sua mensagem toque um pouco a todo o tipo de público, com o intuito de servir como um apoio, um ombro amigo ou uma janela para um mundo em que não importa o que a vizinha da frente pensa quando vê o vizinho aos beijos com um rapaz, um pequeno conjunto de frases muito simples que visam encorajar qualquer pessoa, sobretudo a faixa etária de maior risco de depressão – o público mais jovem, que se sinta prestes a desistir. Até agora tem havido um feedback positivo, sobretudo no mundo LGBT mas também da parte das outras pessoas.
E onde podemos encontrar e seguir os passos do livro “Sem Preconceito”?
Não lhe chamaria passos propriamente dito, é apenas uma história que mostra que ainda podem haver finais felizes…
Para quem estiver interessado em conhecer um pouco este livro pode consultar o site “Chiado Editora“, em que existe uma pequena apresentação, clicando no link. Podem consultar também a página do livro no Facebook, ou fazer encomendas através do e-mail katiafilipa_mg@hotmail.com.
Aos leitores, espero que gostem desta pequena história, que por algumas horas vos faça abstrair do mundo que vos rodeia e vos carregue pelas páginas de um mundo imaginário, que vos dê alento para continuar um caminho repleto de dificuldades e vos inspire a deixar a vossa marca e a lutar por um mundo melhor. Se quiserem podem partilhar opiniões ou sugestões quer para o meu e-mail quer para a página Sem Preconceito. Obrigada e desejo-vos uma boa leitura 🙂
Nota: Obrigado à Cátia e à Tania pela disponibilidade 🙂