É amanhã discutida na Assembleia da Repúbica, a partir das 10h, a adopção por casais do mesmo sexo. Portugal vive há vários anos neste triplo-paradoxo legal: a orientação sexual de uma pessoa é irrelevante para esta se propor à adopção de uma criança a título individual, mas, por outro lado, um casal de pessoas do mesmo sexo está até hoje proibido de o fazer, isto num país em que o casamento é livre.
Trata-se de um paradoxo que, se de início possa ter sido minorado, dados os avanços claros da lei portuguesa nas questões LGBT, nos últimos anos tornou-se claro que esta situação embaraçosa foi mantida por puro preconceito pelos partidos da maioria parlamentar na altura. Ora, a maioria parlamentar é hoje outra e as propostas de alteração de lei por parte do PS, BE, PEV e PAN encontrarão uma resposta adequada na maioria de esquerda. Dificilmente ir-se-á repetir, portanto, a humilhante votação do início do ano. Aliás, a bancada do PSD terá “liberdade de voto”, segundo a deputada e vice-presidente do partido Teresa Leal Coelho que, recordemos, se demitiu da direção da bancada parlamentar por se opor à disciplina de voto imposta na votação de um referendo à adopção e co-adopção por casais do mesmo sexo.
Que não restem dúvidas, não há qualquer razão para que casais do mesmo sexo não se possam submeter ao processo de adopção de uma criança. E protegê-la, educá-la e, acima de tudo, amá-la. As vozes que se opõem e – quão altruístas! – exigem que o superior interesse da criança seja respeitado. Não percebem, ou não querem perceber, que são as suas vozes odiosas que atingem e fragilizam estas famílias, fazendo-as sofrer por bullying homofóbico (pressão semelhante à que as famílias interraciais sofrem por racismo). Como diz Paulo Côrte-Real, da ILGA Portugal, hoje no Público:
Haverá, sem dúvida, quem se disponha a fazer a figura da oposição à igualdade, porque ao longo da história houve sempre nomes que ficaram do lado errado. E é importante pelo menos lembrar-lhes que, mesmo que não queiram que existamos, as nossas famílias estão mesmo aqui, no nosso presente. Que há muitas crianças em Portugal que têm duas mães ou dois pais e que estão nas escolas e integradas na sociedade a todos os níveis. Que têm festas de aniversário, têm amigas e amigos, brincam nos parques, têm festas de pijama. Que veem televisão.
Quem se opõe a estas famílias pode não querer ver estas crianças, mas as crianças vão sempre ver e ouvir essa oposição, que o telejornal não tem bolinha.
Que o superior interesse da criança os faça perceber de vez que são eles os piores inimigos destas crianças e das suas famílias. Amanhã pode ser o dia da mudança!
Portugal volta a ter a oportunidade de estar do lado certo da História, de se mostrar como um País na vanguarda das leis que protegem toda a sua população, crianças e famílias incluídas. É este o derradeiro dia para uma adopção plena? Eu digo que sim, porque amanhã tem que, finalmente, ser!
PS – Vale a pena ver o vídeo do médico pediatra Mário Cordeiro disponibilizado pela ILGA Portugal:
As crianças criadas em famílias arco-íris têm o mesmo presente e o mesmo futuro que as criadas em qualquer outra família. As estruturas familiares não são condicionantes; a relação e bem-estar entre membros numa família, é.
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