Uma Questão De Integridade (Bruno Horta)

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Na vida é normal depararmo-nos com quadros que, não lhes conhecendo as circunstâncias, não entendemos a sua intenção. Mas ao fim de alguns passos é difícil não repararmos em algumas coincidências. E, por vezes, essas coincidências tornam-se-nos mais claras e transformam-se em intenções. Mas antes de vos brindar com a notícia que suscitou este texto e as suas reais intenções, façamos um pequeno recuo histórico:

Ora, alguém escreve, em 2009, que “quando se fala aqui em defensores do casamento gay é, antes do mais, da associação ILGA Portugal que se está a falar. A causa é hoje apoiada por pessoas independentes do activismo gay, muitas das quais nem homossexuais são. Foi a ILGA que conseguiu convencer a Juventude Socialista (JS) e, através dela, o Governo Sócrates, da necessidade de mudar o actual Código Civil”. Portanto, para além da aparente confusão em existirem pessoas heterossexuais a defender os direitos das pessoas homossexuais, esta pessoa conclui que a JS, coitada, foi influenciada por uma qualquer manobra maquiavélica da mencionada associação e, com uns pozinhos na sopa, toda a JS ficou vidrada na questão da legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo. E então para rematar, dita pessoa cita o então líder da JS, Duarte Cordeiro, que, depois de questionado se “cedeu à pressão do lobby gay” (sim, foram estes os termos), respondeu: “A JS ouve a sociedade civil e a partir disso, de acordo com o que diz respeito à nossa identidade, assumimos determinadas posições políticas. O casamento entre pessoas do mesmo sexo tem a ver com algo, suscitado ou não pela sociedade civil, que quisemos assumir”. Ora, toma que já almoçaste! Acho eu… então, mas com esta resposta pode-se concluir o quê mesmo? Não sei, mas certamente não aquilo que o blogger escreveu. Prossigamos…

Depois de acusar a ILGA de ser a única das 14 associações LGBT nacionais empenhada na defesa do casamento entre pessoas dos mesmo sexo, é mencionado, em estilo de “denúncia”, João Carlos Louçã, líder das Panteras Rosa: “[O casamento homossexual] é fundamental para a ILGA desde há uns cinco anos, mas para as Panteras Rosa nem por isso. (…) O facto de os homossexuais não se poderem casar é uma discriminação legal cuja abolição é importante, mas mesmo que isso seja possível nunca me casarei com outro homem”. Agora é que se lixaram, não é? É, não é? Mas ele não disse que a abolição da discriminação no acesso ao casamento era importante? Será que o nosso blogger não entende a diferença entre não poder casar e não querer casar? Pois, a perspectiva de “denúncia” é só na sua cabeça para tentar validar a sua ideia. Digo eu, sei lá.

Já disse que o artigo se chama “O Casamento da ILGA Portugal (primeira parte)”? E que o blog tem o título fofinho “Contra O Casamento Gay”? Pronto, só não quero deixar para trás nenhuma ponta solta. Continuemos com a certeza de que, se existe uma primeira parte, existe certamente uma segunda:

É a ILGA que tem feito do casamento gay um cavalo de batalha, mesmo quando as outras associações LGBT levantam dúvidas sobre isso”. É-nos então apresentado um quadro da autoria de Miguel Vale de Almeida que, ironicamente, é muito próximo da actual presidente da ILGA, Isabel Advirta:

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Deste quadro, o nosso blogger consegue, através de uns malabarismos em relação à dimensão das associações e partilha de sedes, concluir que, assim sendo, “temos a ILGA como única defensora do casamento gay”. Alguém explique a este rapaz que uma associação, sendo “a favor” de um ideal será igualmente “defensora” do mesmo. E eu vejo ali escrito, preto no branco, “a favor” em todas as associações mencionadas. Mesmo que algumas possam ter nuances nas suas posições, é clara a unanimidade de todas elas em relação ao casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Em 2009, o nosso autor digital anunciou ao mundo que “antes de Maio de 2004, o casamento gay era uma ideia impensável para os homossexuais em Portugal. Hoje, há os que dizem que sempre se quiseram casar, que a ideia lhes é querida, mas antes de Maio de 2004 nunca ninguém se lembrou disso. A ILGA fala hoje por todos os homossexuais portugueses sem saber o que realmente pensam os homossexuais portugueses sobre o casamento”. Não, Bruno – ele chama-se Bruno, está no título – tu é que estás a falar em nome dos homossexuais portugueses quando afirmas que “nunca ninguém se lembrou disso”. E se é verdade que até há poucos anos seria impensável que o avanço da legislação portuguesa permitisse o casamento entre pessoas do mesmo sexo, acredita em mim – pois sou do futuro – hoje em Portugal é livre o casamento! Caramba, Bruno, não é de louvar precisamente tudo o que foi conseguido neste espaço de tempo por todas as associações, partidos, aliados e aliadas?! Sim, a tua ILGA esteve na linha da frente desta luta, para quê tanto azedume? Quando citas o activista norte-americano David Mixner: “Nessa altura nem sonhávamos com isso”, que tinha uma relação estável com outro homem nos anos 1980s, não percebes a dimensão daquilo que conquistámos. A mudança de mentalidades não ocorre apenas nos outros, ela acontece também em nós e hoje em dia milhões de pessoas LGBT em muitos países podem sonhar em casar-se e, assim, receber o reconhecimento e a proteção que o seu núcleo familiar merecem. Simples, parece-me bastante simples.

Como é sabido de todos, não há duas sem três e eis que o blogger Bruno volta a reiterar a sua ideia que a ILGA Portugal “se tem feito representante de todos os homossexuais portugueses, mas na verdade não sabe o que eles pensam sobre o casamento gay. À falta de melhor, vinga o argumento da associação ILGA Portugal segundo o qual todos os homossexuais são favoráveis à alteração do Código Civil”. Não, Bruno, à falta de melhor, deverias aprender a evitar generalizações que só minam o teu raciocínio. E, sim, sabe-se em quem os portugueses – hetero, bi e homossexuais – votaram nas eleições. Não foi surpresa que o PS tenha levado o casamento entre pessoas do mesmo sexo à Assembleia da República. Para a próxima tens que estar mais atento, apenas isso.

Na verdade, não sabemos, nunca saberemos, quantas das pessoas que assinaram [o manifesto pela Igualdade] são homossexuais. Nem sabemos quantas delas é que têm interesse em casar (uma coisa é defender o casamento gay, outra, querer casar).” Lá está o Bruno a bater na mesma tecla, então mas agora só os homossexuais é que podem votar nestas questões? Não faz muito sentido, pois não? Mas fico contente que numa questão de dias o Bruno tenha entendido a diferença entre alguém ‘defender o casamento’ e o ‘querer casar-se’. Quanto a números, em três anos apenas, novecentos e trinta e seis.

É a partir deste ponto que começo a vacilar, quando o nosso blogger decide abordar o programa “Prós e Contras” (ninguém merece!). “De um lado, detractores da proposta. Do outro, defensores. Não vale a pena escrever os seus nomes, porque o objectivo deste blogue não é o de fazer ataques ad hominem, mas sim o de discutir ideias”. Folgo em saber que em termos de ética, o Bruno tem para dar e vender! “Não se pode, ainda assim, deixar de notar que os defensores do “sim” ao casamento gay presentes são vencedores do prémio Arco-Íris que a associação ILGA atribui – e mais uma vez se comprova a existência do um circuito fechado em que funciona a defesa do casamento gay em Portugal”. Um tique nervoso começa a surgir-me no canto do olho com tamanho nervosismo. Caro Bruno, então a ILGA premiar pessoas que defendem os direitos das pessoas LGBT em Portugal é uma ideia assim tão descabida?! Não é circuito fechado, é reconhecimento daqueles que dão a cara e realmente ajudam Portugal a avançar. E ainda por cima vão ao “Prós e Contras”, prémios vitalícios para todas elas já!

Ao contrário do que se quer fazer passar, a ILGA não é representativa dos interesses ou vontade da maior parte dos homossexuais. Tem mil associados [Agosto 2009]”. Para o Bruno só quando a ILGA Portugal conseguir, números redondos, um milhão de associados é que terá validade para defender os direitos das pessoas LGBT. Benfica, Sporting e Porto que se cuidem! “O pequeno grupo que defende o casamento gay quer impor uma mudança legal sem cuidar de saber dos efeitos sociais que ela pode ter e qual a verdadeira sensibilidade dos homossexuais portugueses em relação ao tema”. Efeitos sociais? Maior proteção do núcleo familiar a partir do primeiro dia. ‘Verdadeira’ sensibilidade dos homossexuais em relação ao casamento? Ou têm interesse em dar o nó ou não (mas vivem no sossego de que, caso lhes apareça o príncipe ou a princesa dos seus sonhos, o poderão efectivamente fazer).

Ainda nesta terceira parte, o Bruno levanta a questão da activista lésbica norte-americana Paula Ettelbrick em 1989: “De que serve às pessoas homossexuais das classes mais baixas um reconhecimento pelo Estado das suas relações conjugais se o Estado muitas vezes rejeita essas pessoas pela cor, pelo género, pela profissão?” A resposta é, mais uma vez, simples: não serem as pessoas rejeitadas pelo Estado pela cor, pelo género, pela profissão “e pela orientação sexual.

Não pensem que as críticas ao Bruno, Horta, Bruno Horta, se remetem à sua actividade como blogger. É que o Bruno Horta é igualmente jornalista e é aqui que o assunto começa a tomar contornos mais preocupantes. Já em 2011 as Bichas Cobardes denunciavam-lhe tiques no discurso que só lhe ficavam mal:

No seu mais recente-fabuloso artigo para a secção gay da Time Out, o Bruno achou por bem abençoar-nos com o seu descrédito relativamente ao activismo. Primeiro refere o facto de durante a Marcha ir distribuir-se “Propaganda“. Isso, propaganda, daquela do género da de grupos de interesse duvidosos e maquiavélicos. E não quero saber se a palavra tem ou não validade linguística. São direitos humanos fundamentais, e é educação, chamar-lhes propaganda é, no mínimo, insultuoso. É, aliás, dar razão às vozes do bicho-papão do lobby gay.

Aqui há umas semanas, num novo blog, o Bruno Horta volta a atacar a ILGA (que obsessão, rapaz!) com a divulgação de um comunicado de duas associações Trans contra a representatividade da ILGA. O título? “Associação ILGA “viola direitos humanos”, dizem activistas trans”. E diz o Bruno, quase que aposto, tal o tom da sua escrita. Na altura respondemos a este comunicado com um manifesto à união: “A Luta Quer-se Una!”.

Uns dias mais tarde o Bruno Horta volta a publicar uma continuação ao referido comunicado: “ILGA responde a críticas de activistas trans”. Confesso que estranhei: Quê, mais um artigo do Bruno sobre a ILGA? Já tenho estas teclas gastas! Mas não, estranhei sim a alegada resposta da associação, dado que estou atento às suas notícias. Mas não precisei de muito para entender o que estava ali, porque embora “a direcção da ILGA não tenha reagido publicamente nem acedido ao pedido de esclarecimento enviado por este blogue”, a resposta “é velada, mas também óbvia”. E como, perguntam? “A associação ILGA – Portugal tem utilizado os seus canais de comunicação na internet para falar da temática trans e mostrar empenhamento, o que pode ser interpretado como uma forma de rebater as críticas”. Não, Bruno, não é isso. Então não dá para perceber que a ILGA sempre se empenhou na discussão da temática trans e na defesa das pessoas trans? Com um pouco mais de atenção e menos azedume conseguirias ver que, semana após semana, a associação promove eventos e tertúlias de discussão sobre a temática e dá apoio às pessoas trans, sendo que a defesa delas, tal como a denúncia de casos de transfobia, estão e sempre estiveram presentes na agenda da associação. Não foi resposta a nada disso, mas se quiseres muito que seja, pode ser, porque a ILGA é, efectivamente, a casa para muitas pessoas transgénero e isso refuta qualquer acusação dentro dos moldes que lhe fizeram. Obrigado por reconheceres isso.

Por fim chegamos ao presente, mas não sem antes uma nova malandrice do Bruno Horta. Então não é que o jornalista Bruno conseguiu publicar um dos seus artigos no jornal Público? O título, perguntam vocês? “ILGA defende abstinência sexual, mas criticou-a para dadores de sangue”. *suspiro*

Nele acusa a associação de dizer que “suspender a actividade sexual é uma forma de controlar a disseminação de doenças, mas no ano passado atacou o Instituto do Sangue quando este defendeu o mesmo para dadores gay”.

A ILGA explica que o esperma doado para inseminação artificial caseira não é sujeito a testes que “garantam que o dador não é portador de uma infecção sexual transmissível”. Por isso, deixa o alerta: “Ao escolher um dador conhecido, a não ser que o mesmo efectue testes e permaneça pelo menos seis meses sem qualquer actividade sexual é impossível ter-se a certeza no momento de doação e da inseminação que o seu sémen é completamente saudável. O Público questionou Isabel Fiadeiro Advirta e em resposta escrita, defende que “esta é uma questão totalmente diferente da de doação de sangue, feita em contexto clínico”, mas não explica porquê”. Porquê o quê, Bruno? Qual é a dificuldade em perceber que a inseminação artificial caseira – uma actividade obviamente insegura que mulheres se sujeitam enquanto a lei da Procriação Medicamente Assistida (PMA) não for alterada – difere da dádiva de sangue e todo o seu controlo médico?

A ILGA Portugal reagiu:

Os riscos na inseminação caseira são vários e é por isso que a ILGA a desaconselha e foi isso que de resto frisámos no Parlamento como argumento para a urgência da disponibilização da inseminação artificial para todas as mulheres num contexto clínico. Como devia ser claro para qualquer pessoa, não existe qualquer semelhança com a doação de sangue, feita em contexto clínico e com técnicas que permitem outro tipo de averiguação da qualidade do mesmo.

 

Para além de que é a discriminação e a estigmatização associadas que são altamente contestáveis – se a abstinência sexual num determinado período fosse a recomendação do IPST para qualquer doação de sangue, não seria a ILGA a contestá-la. O que se contesta é uma exigência de abstinência apenas para uma parte da população, que são os homens que têm sexo com homens. Ou seja, Bruno Horta nem sequer percebe – ou finge não perceber – a questão da discriminação.

E é por tudo isto que o Nuno escreveu uma carta aberta onde justifica “Porque Já Não Vai Doar Sangue”. O espaço de discussão está obviamente aberto a diferentes pontos de vista e abordagens, aliás, isso verifica-se dentro das próprias associações, ILGA incluída, mas não deixamos que as nossas diferenças se imponham aos nossos partilhados ideais. Porquê? Porque não faz qualquer sentido promovermos a segregação. Porquê? Ainda é preciso responder…?

Da minha parte, informei o Público do meu desagrado ao ver um artigo com este baixo nível num jornal de referência; onde o seu autor, com claros precedentes, volta a atacar uma associação como tem feito desde, pelo menos, 2009. Já chega, Bruno!

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