
Apresentamos hoje, em pleno dia das Mães, um relato do jovem Cláudio sobre como é crescer com duas mães. Entre medos, revoltas e uma derradeira conclusão, assim falou ele:
Uma das minhas primeiras memórias remonta a uma das instituições em que vivi cinco anos. Disseram-me que a minha família adotivas viria dentro de quinze dias. O dia chegou e eu, ansioso, passei o dia todo na janela, à sua espera.
Mas nesse dia não puderam aparecer e foi para mim uma enorme desilusão. Os meus colegas da instituição, ao verem-me chorar, queriam acalmar-me, mas um responsável disse-lhes para não me confortarem, que me deixassem chorar.
Felizmente, a minha família adotiva apareceu alguns dias mais tarde e levou-me do Brasil, o meu país de nascimento, para Espanha.
Durante os meus primeiros três anos em Espanha vivi com o meu pai e a minha mãe. Mas divorciaram-se e então comecei a viver com a minha mãe e a sua nova parceira: uma sua amiga de infância.
Aos oito anos já vivia duas realidades que influenciaram os anos seguintes da minha vida: ser adotado e crescer no seio de uma família homoparental.
E eu adianto-vos já uma coisa: agora, com 18 anos, posso dizer que nunca me faltaram afectos familiares. Se passei por problemas – e certamente passei por eles – foram derivados da falta de encaixe na sociedade das minhas situações pessoais.
Ultimamente tenho ido a algumas reuniões de crianças adotadas. Encontrei nelas uma compreensão que eu nunca tinha sentido antes. A adoção, geralmente, tende a ter uma conotação negativa, goza-se com ela, e, embora possa parecer inocente, isso é algo que devemos evitar.
Quando falo com crianças adotadas, por exemplo, digo-lhes que o Super-Homem e o Batman foram igualmente adotadas e que isso faz de nós aparentadas de super-heróis.
A adoção por vezes também é associada a alguns vícios, em parte devido à desumanização de algumas instituições. Já falei sobre isso quando referi a crueldade de um dos meus assistentes: embora não tenhamos conhecimento, se formos cruéis com os outros, podemos causar-lhes danos duradouros. Devemos, portanto, tratar as pessoas com respeito e construir ambientes mais humanos.
Acho que as famílias homoparentais são pouco representadas. Na comunicação social predomina, quase sem concorrência, a imagem da família de um pai e de uma mãe. E o mesmo acontece nos livros escolares, onde existe ainda um longo caminho para se adaptar o material escolar às novas realidades familiares.
A ausência de outros modelos da família faz com que as crianças que cresçam em famílias homoparentais possam questionar-se o que aconteceu com as suas famílias.
Reconheço que na escola onde andei ninguém me assediou por ter duas mães. Sim, houve um silêncio que não era natural. Mesmo os professores pareciam desconfortáveis com o assunto, como se enfrentassem algo impronunciável.
Isso levou-me a contar que morava com minha mãe e minha tia durante alguns anos. Ninguém me obrigou a fazê-lo, mas não é fácil lidar com esta situação: as crianças, ao final do dia, o que elas mais querem é ser aceites e não ficarem fora da norma.
Mas à medida que o tentamos esconder, mais explicações somos obrigados a dar. Essa ocultação é uma sensação horrível que gera muita raiva e muita ansiedade. Cria-se uma bola no nosso interior, uma revolta que nos leva a viver situações realmente complicadas, como quando parti objectos em casa, para o desespero da minha mãe.
Simplesmente não tinha as ferramentas para lidar com a minha situação e não tive a coragem de discutir o assunto abertamente com a minha mãe.
Mas tudo mudou quando, em uma das reuniões para as crianças adotadas , uma rapariga fez-me uma pergunta que me impressionou: “De que tens tanto medo?“.
Na verdade, porque estava eu com medo que as pessoas soubessem que fui adotado e que tenho duas mães? Prometi que iria começar a dizê-lo às pessoas. E congratulo-me com isso, porque a primeira reação não poderia ser mais divertida.
No ano passado confessei a minha situação ao meu melhor amigo – sim, tinha-lhe escondido também a ele – e então ele respondeu-me, rindo-se: “Acha que eu não sabia? Passei anos a visitar-te em casa!“ Ri-me com ele e a sensação de liberdade foi tremenda.
Desde então tenho vindo a contar aos meus amigos mais próximo: “Olha, nos últimos anos tenho-te mentido. Sinto muito por isso, mas espero que entendas porque o fiz.” Tenho sempre encontrado apoio.
Desde então, os meus acessos de raiva dissiparam-se e eu sinto-me mais seguro entre as pessoas. Além disso, os meus relacionamentos também têm crescido muito: já não arrasto os meus problemas para aqueles que me amam, como fiz antes.
E se alguém se questionar, não tenho nenhum problema com a minha orientação sexual. Na verdade, crescer com duas mães beneficiou-me, porque, ao contrário de muitas outras pessoas, eu assumi que a homossexualidade é tão natural como qualquer outra orientação.
Os problemas das crianças adotadas – esses pequenos super-heróis e aqueles com famílias homoparentais – nem sempre são iguais e no final dependerá de cada situação. Mas a partir de agora darei o meu melhor para que elas não passem pelos mesmos problemas que eu passei.
E, claro, desejo que a sociedade torne as coisas mais fáceis: que vislumbre todas as opções e que as assuma com responsabilidade. Em suma, que todos nós facilitemos as vidas das crianças que não têm as ferramentas para enfrentar uma sociedade que as enclausura e as faz sentir medo.

Fonte: El País.
Nota: Obrigado ao Luciano pela dica 🙂