A pintura abaixo deste parágrafo não é um Jackson Pollock. Chamado o “Pai” do Expressionismo Abstracto, Pollock surge como figura mitológica na arte do séc. XX: o arquétipo do artista marginal, bêbado, problemático, que despreza as convenções da sociedade – criando à sua passagem uma nova forma de expressão; puro e animalesco, completamente individual. Pollock foi a materialização do espírito Americano, da American Way: Do it your own way.
Esta pintura é anterior ao Expressionismo Abstracto. Chama-se Untitled, e é de uma pintora: Janet Sobel.
De origem ucraniana, nascida em 1894, Jennie Lechovsky viaja para os Estados Unidos da América em 1908 e instala-se em Brooklyn. Casa-se com Max Sobel de quem tem quatro filhos. Um deles, Sol Sobel, estuda pintura e leva para casa as suas tintas e pincéis. Em 1939, Janet começa a fazer alguns desenhos às escondidas, eventualmente sendo descoberta pelo filho, que a encoraja a continuar a pintar. Embora ao princípio a sua pintura seja figurativa e naïf, Sobel começa a pintar figuras cada vez menos reconhecíveis, eventualmente fazendo experiências que são já completamente abstractas. É nesta fase que Sol apresenta o trabalho de Sobel a diferentes galeristas; embora alguns a considerem apenas uma dona de casa de meia idade a brincar aos pintores, outros ficam genuinamente interessados. Aquilo que Sobel fazia completamente novo e estranha. A tinta escorria pela tela, salpicava-a de uma forma completamente aleatória, que ao mesmo tempo mostrava uma graciosidade diáfana. Eram monstros delicados. Ninguém menos que a própria Peggy Guggenheim, torna-se sua admiradora e mentora. Numa mostra colectiva de 1945 intitulada “The Women”, Janet Sobel expõe trabalho. No ano seguinte, tem direito a uma exposição a solo na galeria de Guggenheim. Clement Greenberg, que viria a ser um dos maiores críticos arte americanos do século, visitou a exposição com o amigo Jackson Pollock, e descreveu no seu diário o impacto que a pintura de Sobel teve nos dois. Um ano depois, Pollock começa a fazer as suas famosas drip paintings.
A partir daqui, o rasto de Janet Sobel começa a apagar-se: em 1947 o marido abre uma fábrica de bijuteria em New Jersey, e toda a família muda-se para lá. Longe do centro de cultura de Manhattan, longe das galerias e críticos, a memória da pintura de Janet vai definhando.
Não quero afirmar que Pollock “roubou a ideia” a Sobel – isso é um absurdo. As ideias não se roubam, e Pollock criou uma linguagem própria e sistematizada; só lamento que nunca tenha dado crédito à dona de casa, mãe de quatro, e não-formada em artes, que abriu o caminho para ele. Janet Sobel é uma artista que felizmente tem vindo a ser re-descoberta nos últimos 20 anos – um símbolo da forma como as mulheres estão (e estão) abaixo dos homens no mundo da Arte, e também da forma como a língua, a idade, a nacionalidade,a formação académica, o desfasamento que existe entre centros e periferias culturais – tudo isto afecta os artistas. Quer sejam mulheres ou homens.
É uma entre tantas outras, como Rosa Bonheur, Joana do Salitre, Helen Martins, Judith Scott, Mierle Laaderman-Ukeles, Adrian Piper, Mary Cassatt, Ana Mendieta, Sarah Affonso, Gina Pane, Berthe Morisot… A lista continua e continua. Um território fértil para @s amantes de Arte, a pedir para ser descoberto.
Feliz Dia da Mulher, a todas e a todos – eu não discrimino!
E para saber mais sobre a Sra. Sobel:
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