Conhecemos a Rita Campos quando surgiu uma parceria para fotografar a Marcha do Orgulho LGBT de Lisboa no passado Junho. Descontraída e partilhando um sorriso sincero, a partir daí surgiu o desafio de falarmos um pouco com ela e descobrir aquilo que a move e que a faz disparar atrás da lente da sua câmara.
Tens estado a aperfeiçoar os teus conhecimentos em Fotografia, como surgiu essa paixão?
Tirei no ano passado um curso de iniciação à fotografia e desde aí tenho feito alguns workshops. Em Outubro próximo irei tirar um curso profissional no Instituto Português de Fotografia (IPF). Aos 20 anos ainda estudei um ano no IADE, mas por motivos monetários tive de desistir, porque, infelizmente, o nosso país não ajuda jovens a estudarem aquilo que mais gostam.
A Paixão pela fotografia surgiu por volta dos 12 anos, quando de prenda de aniversário pedi à minha avó uma máquina fotográfica, na altura ainda analógica, que levava comigo para todo o lado – quase levei a minha avó à falência para revelar os rolos. Desde essa altura já não parei mais de fotografar. Neste momento já é algo tão natural para mim como andar na rua ou estar com amigos.
E já se pode dizer que tens um estilo próprio? O que te atrai ao olhar da lente?
Para ser sincera ainda estou a definir o meu estilo, mas acho que estou num bom caminho. Há uns anos não gostava de fotografar pessoas, mais tarde percebi que não gostava porque não sabia como me aproximar delas. Neste momento isso já não é um bloqueio para mim, muito pelo contrário. Gosto de conversar com as pessoas, da comunicação que se estabelece quando estás a fotografar alguém, é algo especial. E com esta área vem o fotojornalismo. O fotojornalismo sempre que impressionou. Ia ao World Press Photo e perguntava-me, “como é que é possível fazer estas imagens?” Agora é algo que quero muito. Não digo que não ache interessante outras áreas da fotografia. Mas o fotojornalismo sempre foi especial para mim e é o que a nível profissional gostava mais de fazer.
Também gosto muito de fotografia de concertos ou espectáculo, e sempre que há oportunidade fotografo-os. Mas, confesso, o bichinho do fotojornalismo está sempre ao meu lado a dizer-me “não desistas“. É como se tivesse a obrigação de mostrar ao mundo algo que a maioria das pessoas não pode ver. Mostrar a verdade dos momentos tal como ela é. Isso é o que mais anseio como fotógrafa.
Por falar no World Press Photo, ainda em 2015 a fotografia vencedora foi de um casal de homens na Rússia e serviu para denunciar a precariedade das vidas das pessoas LGBTI nesse país. Já este ano venceu a icónica fotografia do assassinato do embaixador russo na Turquia. Achas que existe de alguma forma uma responsabilidade de quem vê, de quem fotografa para encontrar a verdade?
Claro que sim. Na minha opinião existe a responsabilidade do fotógrafo em mostrar aquilo que presenciou e a responsabilidade do espectador de ver, aprender e nunca esquecer o porquê de aquela imagem estar à sua frente. Todos os dias vemos dezenas de imagens, mas aquelas que nos tocam nunca esquecemos. Eu acredito nisso. Acredito que um fotógrafo, neste caso na área do fotojornalismo, tem de ir longe e lidar com verdades que muitas vezes não está à espera. Manter o sangue frio e fotografar perante uma verdade cruel penso ser o maior desafio de todos. Depois existe o outro lado, uma linha ténue entre fotografar e lidar com alguém que precisa de ajuda. Mas por vezes a única forma de ajudar é, precisamente, mostrar a verdade ao mundo.
Disseste que ganhaste o gosto e a confiança em fotografar pessoas que desconheces, tens alguma história interessante que possas partilhar num desses encontros entre a pessoa e a tua lente?
Felizmente no último ano fotografei muitas pessoas que não conhecia, conheci assim muita gente. Mas infelizmente ainda não tenho uma grande história para contar, mas posso dizer que comunicar com as pessoas antes de as fotografar – e dar valor ao que fazem – vai mudar toda a dinâmica da imagem que capto. Por exemplo, no ano passado durante um curso de fotografia que fiz, fotografei no cais palafítico da Carrasqueira. É um cais piscatório, dos únicos no mundo e o maior da Europa. Sei estas coisas porque um pescador que lá estava me contou. O brilho nos olhos dele por aquela forma de cultura e arte é alto que não vou esquecer. Isto é apenas um exemplo de como a fotografia me leva mais além, me leva a conhecer pessoas de uma forma que nunca iria conhecer caso não tivesse uma máquina na mão.
E sonhos para o futuro? Qual seria a tua maior ambição para os próximos tempos?
Acho que ter os pés bem assentes no chão é muito importante, principalmente na área da fotografia. Muitas vezes temos de ser os nossos próprios chefes e não e fácil incutir autodisciplina. Mas o grande objetivo é fazer o curso no IPF e ir participando em mais projetos. Dando-me a possibilidade de sonhar, gostava de trabalhar como fotojornalista em Portugal. Há tanto para fotografar e mostrar no nosso país! Seria um sonho um dia poder trabalhar com revistas como a National Geographic ou a Time. Sonhar não custa, e nunca se sabe o que pode acontecer quando se tem a coragem de dar o passo certo, não é?
E por falar em coragem de dar os o passo certo, o que simbolizam para ti as celebrações do Orgulho LGBTI?
Desde adolescente, quando comecei a frequentar associações – como a rede ex aequo – muito importante para mim – que estas celebrações eram algo que me deixava positivamente inquieta e ficava sempre com o coração apertado por não poder ir. Agora é algo que faz parte do Verão, faz parte da agenda e do coração, porque o orgulho de sermos quem somos ninguém nos tira. Por vezes é complicado explicar a certas pessoas porque fazemos a marcha LGBTI, ou outro tipo de eventos, mas a minha resposta é simplesmente, porque ninguém tenta eliminar o orgulho de uma rapariga que gosta de um rapaz só porque sim. Sempre me fez muita confusão o Governo tomar decisões por alguém que eles não conhecem com a desculpa que a sociedade tem regras. Por isto, e por muitas outras conquistas pessoais, estas celebrações são muito importantes para mim e faço questão de estar presente, porque andar na rua de cabeça erguida, como mulher e como ser humano, e viver como quero e amar quem quero continuam a ser lutas constantes.
Acredito acima de tudo no amor, acredito que é preciso muita coragem para amar, e ser bondosa para com os outros, mas é preciso ainda mais coragem para aceitar que alguém não te aceita como tu és e isso te definir perante a outra pessoa. Portanto, vamos para a rua marchar e viver com sorriso na cara e orgulho nos olhos.
Qual a tua experiência da Marcha do Orgulho LGBT de Lisboa deste ano?
Já fui várias vezes à Marcha LGBT e nos últimos anos tem havido um crescimento e à-vontade das pessoas para irem e se juntarem àqueles que amam. No ano passado saí de lá de coração cheio, este ano foi uma experiência completamente diferente. Estive a fotografar a marcha e se calhar, por não estar a participar e colocar-me um pouco à margem, consegui perceber a união, a paixão e a entrega sobre aquilo que tu és e sobre o que demonstras aos outros.
A luta vai continuar infelizmente durante muito tempo, mas saber que naquele espaço estiveram cerca de 10.000 pessoas debaixo de um sol abrasador a gritar pela liberdade é algo verdadeiramente especial. Quando olhas pela lente e sentes os sorrisos, os abraços, a dedicação, sabe bem. E pelo menos três vezes durante a marcha vieram-me as lágrimas aos olhos da emoção de momentos que presenciei. É tão bom quando o ser humano se une e se deixa de tretas. Lutamos todos para o mesmo, para uma liberdade de direitos aos quais toda a gente devia ter acesso. Como fotógrafa tenho noção que olhar as coisas um pouco de fora me fez ver que afinal há esperança para viver. É essa a mensagem final daquela marcha para mim. A esperança.
Não deixem de descobrir o trabalho fotográfico da Rita Campos na sua página do Facebook.
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