
Hoje, dia 23 de Setembro, comemora-se o dia da celebração bissexual – um dia que pretende dar reconhecimento e visibilidade, ainda tão necessária, à comunidade bissexual. Lembro-me, também, que foi há pouco mais de 10 anos que me afirmei publicamente com uma orientação sexual não normativa e, lembro-me também, da importância que esse momento teve para o meu desenvolvimento pessoal.
Vivi num meio pequeno e, palavras como bissexual não existam, quanto muito gay na sua forma de insulto. Também as discussões sobre a temática ainda me eram distantes, pois estava a tentar recuperar de outros problemas de organização pessoal. No entanto, lembro-me do dia em que, num diário pessoal, escrevia, pela primeira vez, a palavra bissexual. Estava no meu estúdio, uma divisão separada do resto da casa, ouvia música e a escuridão absorvia-me – estava a passar por uma fase depressiva e, como tal, não consigo precisar muito mais. Mas o que senti naquele momento foi forte. Foi a primeira vez que agarrei numa identidade como minha, pessoal, própria e que não estava sozinha… tudo fazia mais sentido, porque pela Internet também tinha lido relatos de outras pessoas – o que sentia passou a ser válido e passei a sentir pertença.
Durante muitos anos da minha infância/adolescência foi uma das minhas claras dificuldades… A minha percepção sobre aquilo que era, à altura, a minha atração sexual, mesmo no pico da adolescência, sempre foi mista. Fossem pessoas (com os conceitos que tinha na época sobre género) lidas como homens ou mulheres. Nunca consegui definir se tinha uma preferência – ao contrário da maioria das pessoas que observava em meu redor que tinham fundamentalmente e explicitamente atração por pessoas do sexo oposto. Porém, a falta de visibilidade na televisão, livros ou qualquer outro tipo de média faziam-me pensar que eu tinha qualquer coisa de errado – ainda muitos nos dias de hoje dirão que tenho.
No fundo, a minha percepção de mim própria enquanto pessoa que pode gostar de outras bloqueou, não sabia o que pensar. Uns anos mais tarde, já depois de vir para Lisboa e num processo de construção pessoal totalmente diferente, comecei a contactar realidades diferentes daquela a que estava habituada no meu meio. Porém, a combater simultaneamente uma depressão era-me difícil tirar grandes conclusões ou, talvez até nenhuma.
Foi, surpreendentemente quando vi um filme bastante conhecido: Velvet Goldmine, que ganhei força para me aceitar sexualmente – o mix de conflitos trazidos pelo filme despertou-me para a minha esfera interior.
Passado uns dias escrevia no diário “acho que sou bissexual, gosto de raparigas e rapazes” e, nesse momento senti que necessitava contar a alguém – pela primeira vez em algum tempo sorria e tinha a certeza sobre algo em mim. Apressei-me a contar a pessoas que achava próximas, era uma nova oportunidade. Não falei com muitas pessoas, mas lembro-me que as expressões não variaram muito do “é impressão tua”, “isso não existe”, “mais valia afirmares-te como gay” ou, até mesmo “é melhores estares calado, isso não é tema que se fale”. Rapidamente, as minhas dúvidas que se transformaram em felicidade e, depois, se transformaram em desgosto social.
Tornou-se importante agarrar esta bandeira e defendê-la. Mais tarde, com conhecimento sobre outras identidades, comecei a afirmar-me como pansexual – mas as dificuldades perpetuam-se no mesmo sentido, com extrema dificuldade em explicar o que é gostar de pessoas independentemente da sua identidade e corporalidade.
Afirmar-me enquanto bi/pan é estar em resistência permanente. A minha orientação sexual existe para além das relações que estabeleço e, não ser invisibilizada pela relação ou relações que tenho no momento é um desafio – sejam estas relações com pessoas interpretadas como mulheres e/ou como homens e/ou outro/nenhum género.
Afirmar-me enquanto pessoa não monossexual (trans não binária) é ir contra a dicotomia homem/mulher, hetero/homo. É também um combate permanente à visão de que não sou completa em qualquer sentido, que ainda me irei descobrir, que não sou permanente nem consistente, que sou relacionalmente perigosa.
Afirmar-me enquanto bi/pan é não aceitar estar no silêncio, na invisibilidade, na incógnita e na incerteza, é construir fora das barreiras sociais e das suas expectativas mais comuns.
Afirmar-me enquanto bi/pan é permitir-me amar como eu amo e relacionar-me como sinto que me devo relacionar.
Este é um dia de reconhecimento, de combate à invisibilidade, de luta por uma comunidade de que também me sinto parte, que fez parte de um percurso extremamente importante na minha vida, no meu autoconhecimento e na minha percepção do mundo e da minha capacidade de amar.
Porque sim, resisto e, porque sim, tenho orgulho.