O Tribunal Constitucional (TC), após pedido de fiscalização feito no ano passado pelo CDS e PSD, declarou esta semana inconstitucionais várias normas da lei da gestação de substituição e procriação medicamente assistida (PMA), tendo levantado várias dúvidas, nomeadamente o direito às origens das crianças e o anonimato dos dadores e gestantes.
Este anonimato, escreve o TC, “merece censura constitucional, devido a impor uma restrição desnecessária aos direitos à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade das pessoas nascidas“. Ou seja, as crianças, dizem, ficam sem direito a saber quem são os seus progenitores biológicos.
Ora, como já aqui foi escrito, a origem paternal de uma criança que nasça através de técnicas de PMA é conhecida: a da mãe e do pai, a das mães ou a da mãe. Se a questão pretende focar-se na biologia, então onde anda a prevalência dos interesses das crianças quando estas nascem pelos meios, digamos, clássicos? Toda a criança teria, nesta lógica, o direito em saber com absoluta certeza se o seu pai é efectivamente o seu pai biológico, por exemplo. No entanto, esta não é regra obrigatória para restantes nascimentos, por que há-de ser nestes casos?
Ainda assim, o TC, no caso em que a beneficiária é uma mulher “que, independentemente do estado civil e da respectiva orientação sexual, tenha recorrido sozinha às técnicas de PMA“, concorda com a dispensa da averiguação oficiosa da paternidade, dado que “mesmo conhecendo a identidade do dador, este não pode ser tido como progenitor da criança nascida“.
Para Eurico Reis, antigo presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, a quebra do sigilo do dador vai levar ao afastamento dos mesmos. “Vão acabar com os dadores portugueses. Foi o que aconteceu nos EUA e nos países nórdicos quando afastaram o sigilo da identidade. Os dadores não querem ser pais nem mães, querem ajudar outros a serem-no. Não estão a proteger a família, estão a julgar contra a família“.
Claúdia Vieira, presidente da Associação Portuguesa de Fertilidade, considera que a decisão do TC “é um retrocesso vergonhoso” e que, mais uma vez, irá empurrar as pessoas “para a clandestinidade“, tendo-lhes sido “tirado o direito à família“. Quanto à questão da identidade do dador, cujo impacto pode ser ainda maior, alerta: “se hoje já é difícil a dádiva, não sei que efeitos [esta decisão] vai ter.”
Com esta tardia decisão, a lei mantém-se em vigor e protege quem já tinha usado estes métodos de procriação, mas a eliminação das normas declaradas inconstitucionais impede a sua aplicação na prática, até que o diploma seja alterado no Parlamento para corrigir os pontos inconstitucionais.
Desfizeram o milagre de 13 de maio em nome de uma alegada busca pelas origens e identidades que a esmagadora maioria da população não tem direito, colocando em risco todo o processo de criação de uma família saudável, desejada e protegida pelo Estado. As mulheres portuguesas e as suas famílias merecem mais, muito mais.
Fonte: Público.