Questionar O Orgulho Da Primark

A rede de lojas de roupa Primark tem estado a receber críticas por parte de organizações pela defesa dos direitos LGBTI após o lançamento da coleção Pride em parceria com a britânica Stonewall. Numa altura em que vários eventos do mês do Orgulho LGBTI estão com problemas de financiamento – e alguns deles foram inclusivamente cancelados – ativistas questionam a parceria. E existem vários pontos, nomeadamente a escolha de uma fundação que, para além do bom estado financeiro, não organiza qualquer marcha no seu país de origem. Mais, esta não se encontra presente sequer nas cidades e países em que são vendidos os produtos, entre eles, Portugal.

Então, para além dos produtos serem fabricados em países em que a homossexualidade é ainda proibida ou reprimida como a Turquia ou a Birmânia, estes produtos entram em direta competição com os vendidos pelas organizações locais que dependem fortemente do próprio merchandise para financiarem as atividades que desenvolvem nas cidades e nos países em que estão presentes. Mais, a própria Primark tem recebido ao longo dos últimos anos queixas pelo tratamento de pessoas Trans no acesso aos vestiários nas suas lojas. O último incidente ocorreu ainda no passado mês de abril.

A questão das condições no fabrico dos produtos é de uma complexidade extrema, com inúmeras empresas a aproveitarem buracos legais para contornarem obrigações nos direitos a quem empregam. E isso é altamente preocupante e, sendo nós todos e todas beneficiários desses abusos laborais, convém pelo menos termos noção de que acontece e evitar apoiar empresas que tenham sido desmascaradas. Mas neste caso em específico não deixa de ser irónico que quem fabrica estas peças de face orgulhosa, viva em condições de vida onde o armário, a perseguição e a vergonha reinam. De que forma, pergunto, tem a Primark ativamente contribuído para uma valorização da identidade das pessoas que emprega?

De que forma está a multi-milionária Primark a ajudar o movimento do Orgulho LGBTI em Portugal (ou Espanha, ou França) quando 20% das vendas nacionais da sua coleção Pride é dirigida para uma fundação britânica? Que impacto tem isso nas associações e organizações portuguesas quando, para além de concorrerem diretamente com as mesmas, desviam o dinheiro para outros movimentos noutro país?

Desta forma, ao comprar produtos da linha Pride da Primark estamos a financiar uma fundação britânica. E podemos até perguntar se existe problema nisso, afirmando que, ao menos, é apoiado algum tipo de movimento LGBTI, ao contrário, aliás, do que aconteceu no ano passado com a mesma empresa. Mas, ainda que seja positivo vermos marcas e empresas a operarem em Portugal abraçarem, por fim, o movimento LGBTI, importa que o façam com o mínimo sentido de responsabilidade do que representa ser-se genuinamente orgulhoso. E se é certo que não há respostas universais – e muito menos unanimidade, dentro e fora da população LGBTI – a verdade é que estas questões são legítimas e facilmente se percebe que a Primark possa ser criticada de pinkwashing, especialmente em territórios em que a sua coleção em nada apoia o movimento LGBTI local e, pior, desloca parte do dinheiro cobrado para outro território.

Era importante ter essa sensibilidade quando falamos de uma campanha à escala internacional. Se a campanha poderá fazer sentido em território britânico – onde a fundação tem a esmagadora maioria das suas ações – a mesma perde efeito, justificação e facilmente se torna numa decisão contraproducente às organizações de outros países que, todos os dias, trabalham e lutam pelo avanço dos direitos das pessoas LGBTI. Há que fazer melhor.

Deixa uma resposta