“Se uma pessoa tem um decote até ao umbigo, uma racha até cá acima e o outro não faz amor há não sei quanto tempo, o que é que a pessoa está a fazer senão assédio sobre o homem?” – Maria do Céu Santo (médica)
“Ela é uma prostituta de luxo. Trabalha no ramo. Pode ser prostituta à vontade, eu sou contra a prostituição, uns são a favor, mas é prostituta.. Se estivesse à porta do Jamaica a ganhar 20 euros ninguém questionava que o era, como está num casino em Las Vegas passa a «atraidora de clientes».” – Raquel Varela (historiadora)
“Sobre Kathryn Mayorga nada sei. Pode ser uma santa, mas pode ser uma megera. E pensando melhor, uma santa não se meteria no quarto de hotel de um homem.” – Henrique Monteiro (jornalista)
“Ela foi para o quarto com o Ronaldo pois sabia que ia para um recital de poesia e toda a gente sabe que o Cristiano não é atrativo, é feio, marreco e nunca ninguém se quer aproveitar de Cristiano Ronaldo. Ela foi para o quarto ‘obrigada’ e então depois quando ele lhe mostrava as ‘táticas do jogo’ houve uma situação que ela já não queria e que era sexo anal. Quem vai à guerra, ‘vai à guerra’, não é?” – Maya (apresentadora)
“A mulher queixa-se de que há nove anos o português a terá levado para um quarto de hotel onde a sujeitou a uma prática de sodomia que lhe provocou lesões que ela teve de tratar. O seu relato parece perfeitamente credível. Mas – e mesmo que descontemos o lapso de tempo decorrido desde o episódio – tem problemas. O primeiro é a queixosa dizer ter sido vítima de “violação”, o que é pouco consistente com o facto de ter acompanhado voluntariamente o jogador a um quarto de hotel.” – José Cabrita Saraiva (historiador)
A mulher de que falam estas pessoas, de forma mais ou menos leviana, de forma mais ou menos séria, é, como já devem ter percebido, Kathryn Mayorga, a mulher que acusa Cristiano Ronaldo de a ter violado em 2009. Não se trata apenas da tentativa de a descredibilizar por completo porque era isto ou fez aquilo; não se trata apenas de serem incapazes de perceber por que o silêncio é quase sempre a escolha, e ainda a única hipótese de segurança, para alguém que seja vítima de assédio ou violação; não se trata de não assumirem a sua quota parte de responsabilidade pelo sofrimento que provocam com as suas palavras às milhares de mulheres que são violadas todos os anos, atirando-lhes a culpa por se vestirem de determinada forma, por dançarem mais perto ou mais livremente; basicamente, culpabilizando-as por se ‘meterem a jeito’. Não se trata sequer de perceberem que nesta suposta campanha por dinheiro fácil e atenção “o foco das notícias do mundo inteiro não custa nada, não é?“, como ironicamente questionou a deputada Isabel Moreira.
Trata-se, pois, de saber dar uma opinião com a responsabilidade que os cargos ou a exposição que têm lhes dá. E nesse critério o slutshaming não pode ser uma opção, seja em que contexto for, porque, para além de toda a (falsa) moralidade imposta, apenas serve para denegrir gratuitamente uma mulher que poderá ter sido vítima de uma das piores experiências que qualquer pessoa pode viver: ser violada.
Independentemente do resultado da investigação, em que o escrutínio será inevitavelmente mais sério e informado que o de qualquer comentarista, importa que o assunto seja tratado com as precauções devidas que um episódio tão complexo como este merece. E para tal há que evitar juízos de valor e ataques misóginos. Podemos começar então por não ser a avózinha e o seu grandessíssimo humor.
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