
O novo reboot de She-Ra: Princesa do Poder, afamado desenho animado dos anos 80, vai estrear na Netflix no próximo mês de Novembro e vai ter duas personagens LGBT. A boa nova foi anunciada quase sem querer pela atriz responsável pela voz de She-Ra/Princesa Adora, Aimee Carrero, que ao responder quais eram as suas personagens favoritas ela responde: “Os dois pais de Bow“. Bow é uma das personagens principais de She-Ra e um dos melhores amigos de Adora, companheiro fiel das suas aventuras. E agora é relevado que o jovem é educado por uma família homoafetiva.
Esta nova versão de She-Ra apresenta-nos a génese das personagens que conhecemos já adultas na série dos anos 80, antes de Adora descobrir que é irmã de Adam, o famoso He-Man. A criadora da série, Noelle Stevenson, vencedora do prestigiado Eisner Award pela sua graphic novel Nimona, promete trazer a sua voz única para She-Ra e a sua marca de feminismo já recebeu críticas antes da série estrear, com muitos dissidentes a afirmarem que a nova She-Ra é demasiado andrógina e pouco feminina. Stevenson e companhia estão, claramente, a acertar na mouche.

Numa nota pessoal tenho de confessar que a encarnação original de She-Ra mudou efetivamente a minha vida. Sempre tive uma predileção por Adora em lugar de Adam e a magia e cor de She-Ra conquistaram-me logo desde tenra idade. E, por ser irmã de He-Man, era a única boneca que podia de facto ter na minha coleção, uma boneca com cabelo “verdadeiro” e um gigante unicórnio arco-íris alado a acompanhar. E, tal como tantos filhos e filhas dos anos 80, fizemos de She-Ra a nossa heroína máxima. Rapazes gay fingiam querer ser Adam quando na realidade almejavam a força, elegância e feminilidade de Adora. Ainda ideais de género empurrados pela garganta abaixo. Mas também cedo aprendemos a reprimir isso. Muitas vezes sem grande sucesso.
Há pouco tempo participei num artigo do Brian O’Flynn para a i-D em que ele enumerava uma série de objetos das cultura popular como o Kill Bill ou o Tomb Raider que foram apropriados pelas pessoas LGBT como uma forma de representação fictícia da identidade queer, apesar de nada terem que viver diretamente com a nossa experiência mais marginalizada. Chama-se desidentificação e é algo que todos e todas fizemos na nossa infância e adolescência na ausência de verdadeiros modelos LGBT pelos quais nos guiar. Hoje em dia continua a ser muito difícil encontrar representações das nossas vidas no pequeno ecrã, mas esta série, que será vista por milhares de crianças, não só lhes dirá que não há mal nenhum numa criança com família homoparental, como também não há nada de bizarro ou condenável com os seus pais e mães. Por estas razões, e tantas outras, tenho de agradecer sem hesitação à She-Ra. Novamente um exemplo para crianças e não só. Obrigado.