Lígia Silva lança Margens de Mim: “Este livro foi o meu maior grito de liberdade!”

Lançamento de “Margens de Mim”  no Clube Gondomarense
© Joana Sousa

Lígia Silva lançou recentemente um livro de poesia em que aborda, sem receio ou hesitação, o sentimento perante outra mulher, corpo e mente. Com belas ilustrações de Onofre Varela, “Margens de Mim” é pois um livro extremamente honesto, sem medo de abordar o desejo de estar com alguém, de ansiar por alguém, plenamente.

Estivemos à conversa com a autora para descobrir aquilo que a motivou a partilhar momentos tão íntimos do seu ser, libertando-se assim de amarras do passado. Vale a pena ler:

Margens de Mim é um livro dedicado “a todas as mulheres, pela força, coragem e determinação com que abraçam a vida”, como surgiu esta ideia?

Nenhum dos poemas ou textos que compõe o meu livro foi escrito ou pensado para ser publicado. O Fernando Pessoa disse que: “Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir.” Foi exatamente por isto que, ao longo de dois anos, fui exteriorizando para o papel tudo o que estava a sentir. No fundo não era para o papel que eu o estava a fazer, mas para a mulher que me fazia sentir tamanha paixão, tamanha loucura, tamanho amor! Nunca tinha sentido nada tão intenso na minha vida e precisava que ela soubesse disso. Cada vez que lhe escrevia, e que me parecia que as palavras que lhe dirigia chegavam perto da órbita do meu sentimento por ela, sentia alguma paz. Portanto o Margens de Mim surgiu de uma necessidade e de um amor que me transcendeu por completo. 

A Lígia confessa ter crescido “num mundo rude, que julga a diferença”, que nos “bate” quando o que mais precisamos é de “carinho”. Este livro é também uma resposta a estas agressões?

Sim, claro que sim! Tive uma adolescência complicada. Bastante complicada. Sentia-me diferente das pessoas que me rodeavam. Porque no fundo eu era diferente dessas pessoas. Daquele núcleo em que eu estava inserida. Não tinha a maturidade (nem a força) que tenho hoje para pensar: se estou a sentir isto dentro de mim, vou vivê-lo, sem medo e sem culpa. Mas diferença gera medo. O medo de não te entenderem e não te aceitarem como és.

Os primeiros desejos/sentimentos que tive na minha vida foram por mulheres e só perto dos meus vinte anos é que contei pela primeira vez a uma grande amiga minha. Depois a mais uns amigos próximos. Ninguém sequer desconfiava de nada. Como é possível conviverem anos comigo e nunca se terem apercebido de nada? A resposta é simples: se até de mim eu escondia, como poderiam os outros aperceberem-se? A partir daqui foi tudo muito mais fácil.

A amizade entre mim e a quem eu contei em nada se alterou. Tive uma relação estável e longa com uma mulher. No fundo comecei a viver, porque até aqui eu só existia. Não era eu. Era o que a sociedade, de certa forma, me impunha. O dito “normal”. Mas normal é o que cada um sente dentro de si. E nada do que se sente é errado. Gostava que todos pudessem libertar-se das amarras que o mundo nos ata. Este livro foi o meu maior grito de liberdade. Espero que além de me ter ajudado a mim, ajude quem esteja a precisar dessa força de libertação.

Lançamento de “Margens de Mim”  no Clube Gondomarense
© Joana Sousa

“Hoje, o mais doloroso é não saber a cor do batom que tens nos lábios”. Este é um livro que aborda a emoção e os sentimentos da paixão e do amor perante outra pessoa, neste caso, de uma mulher perante outra mulher. Como foi colocar essa sensibilidade em palavras?

Foi fácil. Foi natural. Foi intenso. Foi real. Foi verdadeiro. Foi bonito. E, sobretudo, foi sentido. Eu despi-me totalmente para escrever este livro. Sem medo, sem receio do ridículo. Mais uma vez vou citar Fernando Pessoa: “Todas as cartas de amor são ridículas, não seriam cartas de amor se não fossem ridículas.” Mas, tudo bem, se eu fosse ridícula. Tudo bem se eu mostrasse o meu fundo. Tudo bem se o meu fundo fosse escuro. Tudo bem entregar o meu coração, a minha alma, a minha vida.

Aquela pessoa estava a dar-me a maior felicidade da minha vida: sentir que daria a minha vida pela dela. Foi a maior dádiva que eu senti até hoje. Desejo, do fundo do meu coração, que todos vocês o possam sentir uma vez na vida. Se é possível senti-lo mais que uma vez na vida, não sei. Mas espero que sim.

“O teu sexo inflamado,/Encharcado./Em círculos saboreio o teu clitóris,/Duro.” O sexo não é aqui escondido, existe um óbvio orgulho no corpo feminino, sem meias-palavras. Para lá de toda a invisibilidade que o desejo entre mulheres, ainda mais quando este não é direcionado a homens, sofre socialmente, como é a experiência de publicar um livro destes tão – arrisco-me a dizer – honesto e desnudado?

A São José Correia disse numa entrevista para o Alta Definição: “Ainda existe muito pudor em falar sobre sexo. Não sei se não existirá também pudor em fazer sexo.” Eu concordo com ela. Existe um pudor à volta do sexo que eu, sinceramente, não consigo entender. O sexo é algo natural e bonito. É o conhecer daquela pele. Uma conexão de corpos. E está totalmente implícito no amor. Tu quando amas alguém, é natural desejares o corpo daquela pessoa na mesma proporção. Então, sou sincera, para mim, escrever sobre sexo no meu livro foi tão fácil e natural como escrever sobre amor ou sobre saudade. Por isso nunca o vi como uma ousadia. Mas se assim for visto, tudo bem. Ser ousado é importante. 

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Poderão descobrir melhor o trabalho de Lígia Silva na sua página do Facebook, tal como através da página da Editora Hórus. “Margens de Mim” pode ser adquirido, entre outras, na loja da Bertrand.

Apresentação de “Margens de Mim” na Fnac de Santa Catarina
© Joana Sousa

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