Portugal precisa ser um refúgio para pessoas LGBTI vindas do Brasil

Entre 2011 e 2018 foram mortas 4.442 pessoas LGBTI no Brasil, uma a cada 16 horas. Com a escalada de políticas homofóbicas e transfóbicas no país, surgiu assim a criação da Queer Tropical, um grupo de ajuda para quem pretenda fugir e vir para Portugal. Apesar dos comentários de ódio à notícia em Portugal, porque importa dar resposta devida aos pedidos de refúgio que começam a surgir do Brasil? Mais, porque pode não ser assim tão simples em termos político?

A eleição de Bolsonaro não é parte arbitrária desta situação de perigo acrescido para toda uma população.“Foi óbvio que o ataque estava ligado à eleição. Bolsonaro disse que as pessoas LGBT representam um perigo para o Brasil e a vitória deu legitimidade ao ódio sem complexos. Chamavam-nos pervertidas e diziam que nos iam matar”, explicou Ariadna Seixas, mulher trans que veio para Portugal, decisão que tomou no dia seguinte à vitória de Bolsonaro. “Temos de averiguar como fazemos para ficarmos aqui a longo prazo, mas por agora é um alívio viver num sítio onde podemos andar na rua sem medo”, desabafou.

É com esta necessidade premente que Débora Ribeiro fundou o grupo Portugay Tropical – atualmente Queer Tropical. A viver em Portugal há largos anos, explicou que “muitos amigos perguntaram-me o que podiam fazer para emigrar e lembrei-me que haveria milhares de pessoas como eles.” Nas primeiras horas após a criação da página no Facebook recebeu milhares de mensagens com pedidos de ajuda.

O reconhecimento institucional da necessidade de dar asilo a pessoas LGBTI vindas do Brasil tem, no entanto, um problema. Como explicou Marta Ramos, diretora-executiva da ILGA Portugal, “o normal seria aprovar os pedidos de asilo que demonstram sofrer perseguição pela sua orientação [sexual ou identidade de género]”, mas, por outro lado, aceitar os pedidos de ajuda “poria o Executivo português numa situação delicada, porque implicaria reconhecer que o governo de Bolsonaro não respeita os direitos humanos.

E para quem cá vem? Não se julgue que será uma escolha fácil, nunca o é. Abandonar o próprio país, família e amizades, deixar tudo para trás nunca será uma decisão fácil ou superficial, especialmente nestas circunstâncias em que o perigo à integridade física da pessoa tem vindo a aumentar nos últimos meses no Brasil. Por cá os comentários insultuosos em vários sites a esta notícia serão assim espelho de uma resistência xenófoba, homofóbica e transfóbica em Portugal que é, relembro, considerado o quarto país mais seguro do mundo. “Portugal é um porto seguro, mas não é uma panaceia, e o exílio pode ser muito difícil”, refletiu Emmerson Pessoa, professor universitário a viver em Portugal há um ano que sofreu um ataque violento no Brasil.

A situação é complexa, dado que “um incidente diplomático entre os países irmãos poderia piorar a situação” da população LGBTI no Brasil, como tal, “é algo que deve ser evitado”, explicou Marta Ramos. Uma coisa é certa, enquanto não são encontradas respostas às solicitações feitas, importa que haja empatia perante a situação especialmente perigosa em que estas pessoas se encontram e deixar os preconceitos, contra a população LGBTI, mas também a brasileira, de lado. Porque é do nosso interesse a defesa destas pessoas, porque, para além do contributo que elas possam ter na criação de uma sociedade mais livre, – positividades à parte – não sabemos o que nos espera num futuro próximo. Cimentar estes valores, em especial com um país irmão, é pois uma forte aposta no futuro. E também na nossa existência.

Fontes: El Mundo, Imagem.


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Uma resposta a “Portugal precisa ser um refúgio para pessoas LGBTI vindas do Brasil”

  1. […] Foi com estas impressionantes palavras que o Presidente brasileiro Jair Bolsonaro falou a jornalistas naquilo que pode ser visto como uma continuação da sua inegável homofobia. Este é, afinal de contas, um homem que “seria incapaz de amar um filho homossexual“, preferindo “que ele morra.” Dúvidas houvesse, fica assim mais claro porque Portugal precisa ser um refúgio para pessoas LGBTI vindas do Brasil. […]

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