
Hoje escrevo em tom de desabafo, de reflexão, e pretendo consciencializar para uma problemática pertinente e relevante nos dias de hoje, na qual infelizmente ainda é pouco discutida em espaço público, falo de relações tóxicas!
No Dia Da Visibilidade Lésbica o texto da minha autoria “Para ti, Simplesmente tua” foi publicado novamente, e confesso que me custou imenso relê-lo, embora os comentários colocados nas redes sociais tenham deixado um grande sorriso no meu rosto. Na data em que o escrevi, estava a vivenciar talvez uma das melhores fases da minha vida, ou achava eu…
Iniciava uma relação romântica com uma jovem mulher, inteligente, com sentido de humor, carinhosa e com um dos sorrisos mais bonitos que alguma vez vi, é assim que a quero preservar na minha memória!
Partilharei a minha história, mas apenas num sentido superficial, a nível mais profundo guardarei por respeito e proteção à minha pessoa, e porque também é ainda muito complicado pensar sobre, relembrar, sentir…
Adivinhem como é que esta relação começou? Através de uma aplicação, sendo eu bastante reservada e tímida, sem amigos ou conhecidos homossexuais, decidi aventurar-me e conhecer novas pessoas que fossem gays. Ela surgiu, e falamos durante alguns meses, devo confessar que antes de me encontrar com ela já estava encantada com a sua inteligência, falávamos de tudo e com as nossas brincadeiras, tornávamo-nos umas autênticas crianças, era exatamente isso que faltava na minha vida naquele momento.
Com avançar da relação, descobri que ela ainda estava dentro do armário e não tinha intenções de sair de lá, durante o ano e tal em que estivemos juntas eu voltei para o armário, fiquei ao lado dela, dei-lhe a mão e tentei com todas as minhas forças fazer com que ela se aceitasse, assumisse quem era. Nunca pensei retomar ao lugar que jurei a mim mesma não voltar, o famoso armário!
Era incapaz de obrigar e forçar a mulher que amava a fazer o coming out para a sua família e rede de amigos quando ela própria recusava e reprovava a sua sexualidade, era doloroso discutir com ela sore estes tópicos, eu chegava ao ponto de às vezes pensar que ela era homofóbica. Bem, como podem deduzir, a minha relação foi vivida numa bolha à parte da vida dela e da minha, estávamos escondidas no armário…
Como resultado, dei por mim a isolar-me do mundo, dos meus amigos, da minha família, vivia para esta bolha, para ela. Sim, eu gostava de ter a minha relação privada e de não ter de a expor, lá está por ser reservada, mas nunca aceitei o facto de não poder partilhar com a minha família e amigos, o que gerou muitos conflitos entre nós e dentro de mim!
Uma relação só é possível com a permissão dos dois elementos, portanto eu permiti que acontecessem estas e muitas mais coisas, por falta de segurança, de autoestima, de amor próprio, e é aqui que este tipo de pessoas que são egocêntricas, narcisistas e manipuladoras inatas, se aproveitam, é desta nossa fragilidade. A conjugação destes dois tipos de pessoas gera relações altamente tóxicas, existe um conjunto de red flags na qual menciono de seguida, e espero que estejam atentos para evitarem esta relações.
Não ter tempo para ti, ela é que decidia quando e onde estávamos juntas. Desde muito cedo na nossa relação, que existia uma condição, embora não formalmente definida, que era eu não podia comunicar com ela quando quisesse, não lhe podia ligar, mandar mensagem. Era doloroso, só podíamos falar quando ela estivesse sem ninguém à sua volta, quando necessitava de companhia, portanto as minhas necessidade eram completamente desvalorizadas, só importava o ego dela.
A inveja é enorme! Reparei várias vezes que aquando da partilha das minhas vitórias e concretização de objetivos, que ela não ficava genuinamente feliz e até custava-lhe dizer a palavra parabéns, rapidamente o discurso era focalizado nela, nas suas boas noticias, nos seus problemas, no seu ego. Confesso, que até dos amigos e familiares ela por vezes demonstrava essa inveja.
Ausência de empatia, atores natos! No desenrolar da minha relação esta red flag foi se acentuando, as pessoas narcisistas como ela são muito inteligentes e são atentas aos outros, às atitudes e comportamentos dos demais, imitando as mesmas de modo a transmitir uma aparente empatia. Contudo, no final da minha relação fiquei gravemente doente e procurei algum apoio, compreensão e carinho da parte dela, tal não aconteceu como esperado, mesmo estando na situação em que estava o ego dela sobrepunha-se. Paralelamente ao mesmo estado de saúde, tive de ter a coragem de terminar a relação e ela ainda teve o discernimento de me deixar pior, de me violentar verbalmente, sem ter em consideração a fragilidade emocional e psicológica em que me encontrava.
Calcanhar de Aquiles: Autoestima! Embora tenham um ego enorme, ele é bastante frágil, têm baixa autoestima e segurança, por isso é que precisam de elogios sistematicamente, necessitam que a relação seja em torno e em prol do seu ego, de modo a garantir que seu calcanhar fica intacto. Sou uma pessoa que adora elogiar, mimar e cuidar a pessoa que ama, sempre o fiz para esta pessoa, agora imaginem o paraíso que ela viveu comigo, ela foi uma sortuda! Agora, para mim era raro o elogio e a atenção carinhosa por parte dela.
Manipulação emocional e psicológica! A título de exemplo tenho as nossas discussões, que desenrolavam-se sempre da mesma forma, eu expunha o que me tinha incomodado e ela tentava passar por cima, desvalorizar, mas com a minha insistência no tema ela acabava por ou chorar, ou prometer que mudava, a nível do discurso era fundamentalmente baseado no tu, apontar muito o dedo, o sujeito eu só aparecia no discurso dela quando eram coisas positivas, boas. A discussão terminava com ela a chorar e eu a pedir desculpa, manipulação inata, sendo que o pior é que eu ficava a sentir-me mal o resto do dia (ao fim de alguns meses as discussões eram quase diárias) e ela estava com os amigos e a família a rir, a jantar, a viver bons momentos.
Cuidado com a crítica! Eu sempre fui sincera com ela, mas sendo eu uma pessoa bastante empática, apercebia-me que as críticas com ela tinham de ser cuidadosas, pois chegava a ser agressiva por vezes. Tendo ela um ego tão fragilizado, uma autoestima tão reduzida, a critica era vista quase como um ataque e ela defendia-se da melhor forma que conhecia, pela agressividade.
Sim, como é que é possível alguém se sujeitar durante um ano e tal a este tipo de relação? Porque sou muito parva, totó! É uma possível resposta, mas a paciência e a crença que tinha sobre as coisas mudarem, o facto de eu ter alguém na qual podia cuidar, dar afeto, dar amor, foram fatores que contribuíram para que eu permanecesse na relação. Para ela, a relação era saudável, ela só conhece a disfuncionalidade nas relações interpessoais e, por isso, não havia problemas, era tudo normal, só conhece este modo de funcionamento, uma relação altamente abusiva emocional e psicologicamente.
Pessoas narcisistas estarão quase impossibilitadas de ter uma relação minimamente saudável com um outro, pois elas vêem o outro não como uma pessoa, mas como um objeto que investe no seu ego. Neste sentido, e partindo do pressuposto de que mudar o outro é impossível nestas condições e de que a felicidade não pode, nem deve, depender de fatores que não controlamos, é fundamental cada um de nós focar-se em si, aumentar o seu amor-próprio, a sua autoestima.
Foi complicado viver uma relação destas, com violência emocional e psicológica, mas a verdade é que sou incapaz de desejar mal a esta pessoa, ainda me preocupo com ela e desejo-lhe tudo de bom, contudo está na altura do meu ego ganhar um papel de destaque na minha vida, de preocupar-me comigo! Termino citando Friedrich Nietzsche: “You need Chaos in your soul to give birth to a dancing star”.
Fonte: Fotografia por Naomi August.