Matthias & Maxime, de Xavier Dolan: O Poder do Beijo

Como escrever sobre um filme que vimos há três meses? Que memória fica? Matthias & Maxime, de Xavier Dolan, nasce antes de a pandemia ter chegado, persiste quando a vivemos e questiona-nos hoje o significado que um beijo pode ter.

Fui à antestreia do filme a 11 de março. Declarado fã do realizador, argumentista e ator, foi já com ponderação que decidi aceitar o convite e ir naquela manhã ao Cinema Ideal ver o mais recente filme do aclamado realizador canadiano. Uma semana depois seria declarado o estado de emergência em Portugal, a sua estreia adiada para data incerta, e as nossas vidas nunca mais seriam as mesmas.

Por sorte, o último evento cultural a que fui antes do confinamento foi Matthias & Maxime, que teria sido de mim se tivesse sido um filme inconsequente? Pensei em escrever o quanto antes sobre o mesmo, mas, além da indisponibilidade mental para o fazer dado aquilo que se apresentava perante nós, preferi fazê-lo na semana em que estreasse. Na altura nem podia imaginar que seriam precisas catorze semanas até estar hoje a escrever estas palavras. Mas não deixam de assim ser mais justas e contextualizadas. Afinal, o que significa um beijo em março de 2020, por oposição ao mesmo beijo dado hoje?

É esta a premissa do filme, dois amigos de infância, agora na casa dos trinta anos, Matthias (Gabriel D’Almeida Freitas) e Maxime (Dolan) são desafiados a dar um beijo para a curta-metragem de uma amiga cineasta. Maxime é assumido gay, Matthias não. Este, aliás, vive uma aparente vida perfeita com a namorada.

Nas conversas dos amigos e amigas em comum percebemos que existe a história de ambos se terem beijado em miúdos. Percebemos também que Matthias diz não ter qualquer memória desse beijo. O que traz de volta esta encenação, aparentemente desinteressada?

Na realidade, enquanto percebemos as dinâmicas por vezes violentas entre Maxime e a sua mãe, um tema constante na obra de Dolan, vemos Matthias a questionar-se sobre todas estas questões. Que significado tem um beijo para ele? Um homem com uma carreira de sucesso e aberta a novos voos? Uma namorada com quem desfruta uma vida recheada? O que o mantém à tona?


O mais recente filme de Xavier Dolan esteve em discussão no Podcast Dar Voz A esQrever 🎙🏳️‍🌈, oiçam:


É precisamente num momento de fuga e introspeção num grande lago que Matthias encara todas as suas dúvidas e memórias dúbias sobre o que significa aquele beijo diante de uma câmara e que nunca chegamos a ver? Este é um filme de autodescoberta. De como conseguimos entrar facilmente em modo automático e seguir todas as expetativas que esperam de nós sem pararmos para perceber o que realmente desejamos.

Sim, pelo caminho haverá pessoas que magoamos, mas fazer frente à realidade que temos diante e dentro de nós é meio caminho para encontrarmos a nossa felicidade, a nossa salvação. E se para Maxime esse caminho, nas vésperas de uma transformação radical na sua vida com uma mudança eminente para a Austrália, já tinha sido respondido há muito, Matthias só agora consegue ver mais além.

Este é um filme que, além do poder de um beijo em plena pandemia, é ainda mais significativo hoje, em pleno mês do Orgulho LGBTI. Quantas pessoas ficam pelo caminho quando não se permitem ser quem são? Importa dar-lhes, pois, essa hipótese. Beijo languido de Orgulho.

O filme Matthias & Maxime estreia a 18 de junho nos cinemas Ideal (Lisboa) e Trindade (Porto).

Nota: Texto revisto pela Ana Teresa.