
A nomeação de Petra De Sutter como vice-primeira-ministra da Bélgica, tornado-se assim na primeira pessoa ministra trans na Europa, é um marco. Mas, segundo Katrin Hugendubel da ILGA Europe, o que talvez seja ainda mais significativo é que “é um marco que passou quase despercebido nas manchetes da comunicação social belga.“
De Sutter sempre assumiu a sua identidade trans e nunca procurou esconder esse facto na sua carreira política. Ainda assim, sempre ficou claro que ela é muito mais do que essa identidade.
Como médica e professora de ginecologia, ela tem sido uma defensora dos direitos das mulheres, igualdade de género e direitos sexuais reprodutivos. Em todas as posições políticas que ocupou – seja no Senado belga, na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa ou no Parlamento Europeu – ela tem sido uma forte defensora dos direitos LGBTI.
“Mas é sua competência“, reforça Hugendubel, “em tantas outras áreas e o seu impressionante histórico profissional que, combinado com a sua defesa, definiram a sua carreira e conquistaram o respeito dos e das suas colegas.“
O facto da cobertura na comunicação social sobre a sua nomeação como vice-primeira-ministra ter-se centrado no seu trabalho e não na sua identidade trans é um reflexo não apenas da sua impressionante carreira política, mas também da natureza progressista da política belga hoje em dia. Não é difícil imaginar que as manchetes teriam parecido muito diferentes num outro país – até mesmo num outro país europeu. Mas a não notícia envia precisamente um poderoso sinal positivo para pessoas trans em todo o mundo.
O facto de De Sutter ser aceite no seu país e tratada de forma justa e respeitosa na comunicação social é um sinal de esperança num momento em que as identidades trans estão a ser negadas e legisladas contra um número cada vez maior de países europeus. Por exemplo, na Roménia, o tribunal constitucional discutiu no final de setembro a legislação para excluir completamente as discussões sobre género e identidade de género de qualquer currículo educacional. Legislação semelhante já foi introduzida na Bulgária. A “Carta da Família” da Polónia, assinada pelo presidente Andrzej Duda, proibirá aulas sobre questões LGBTI nas escolas. E no Reino Unido, ativistas pelos direitos LGBTI alertaram que novas diretrizes educacionais podem ser interpretadas de forma a que as escolas não possam usar materiais que discutam a identidade de género e a realidade das pessoas trans. No início deste ano, quando começaram os bloqueios do coronavírus, a Hungria introduziu legislação para proibir efetivamente o reconhecimento de género, enquanto na Rússia iniciativas legislativas estão em andamento para fazer o mesmo.
O momento histórico com a nomeação de De Sutter esteve em discussão no Podcast Dar Voz A esQrever 🎙🏳️🌈, não percam:
Com um número preocupante de governos ativamente a tentar negar às pessoas LGBTI o seu lugar na sociedade, é, portanto, encorajador ver o sistema político da Bélgica a abraçar um membro da comunidade LGBTI como um igual.
Hugendubel afirma que “De Sutter não alcançou a sua posição no novo governo belga porque ela é uma mulher trans“, mas sim “pela sua competência como política.” A seu ver esta é “a validação da sua identidade como política e como mulher trans” e vai mais além ao dizer que esta é também “uma repreensão aos ataques contra identidades trans que acontecem noutras partes da Europa.“
“A identidade de género de De Sutter pode não ser manchete na Bélgica, mas essa ausência é símbolo de uma mensagem extremamente poderosa“, remata.
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