Ficção do fã, o direito à fantasia erótica e a controvérsia do bromance na Marvel

Imagem via Blop tries to art.

Numa entrevista recente o ator Anthony Mackie, afroamericano que interpreta o papel de Falcon no universo cinematográfico da Marvel, falou à Variety sobre um bromance imaginado pelos fãs entre a sua personagem e o Winter Soldier, um ciborgue interpretado por Sebastian Stan. Ainda não tive oportunidade de ver a série (mas falei com quem viu), e efetivamente não parece existir nenhum dado claro de que os dois tenham uma relação homossexual. Mas esse não é o ponto, o que me parece problemático é esta negação de uma prática cultural com várias décadas, parte da nossa experiência de relação com os objetos artísticos, e que é a ficção dos fãs.

Sem entrar em grandes detalhes, as ficções produzidas por fãs são práticas de leitura, recontextualização e expansão das histórias contadas nos filmes ou outras obras de arte amadas pelos consumidores. Foi provavelmente uma das primeiras formas de emancipação das comunidades de fãs LGBT+ e das mulheres que, devido à falta de representação no grande ecrã, começaram a construir as suas próprias histórias. Um dos subgéneros de ficção que surge é, por exemplo, a ficção slash, que aprofunda relações homoeróticas entre protagonistas aclamados, como Kirk e Spock do Star Trek e, agora, Falcon e o Winter Soldier na Marvel. Para os que se encontram fora da comunidade, isto é lido como uma apropriação de conteúdos, uma leitura oblíqua e ‘errada’ (seja lá o que isso for) porque não é esse o propósito dos seus escritores.

A entrevista de Anthony Mackie, onde aborda este aspeto, é profundamente infeliz. O tópico é apontado por comparação com o episódio “Striking Vipers” de Black Mirror, que tive oportunidade de mencionar numa das minhas críticas musicais, e onde o ator é um dos protagonistas. Para os que não estão familiarizados, é uma história onde dois amigos, homens, entram para dentro de uma realidade virtual, um deles assume o papel de uma mulher, e começam a fazer sexo no ciberespaço. Isto não nos leva muito longe, eles passam todo o episódio a negar os seus impulsos afetivos, eróticos, sexuais, e tudo mais, acabando por continuar com as suas vidas. Termina com um acordo para repetirem o jogo sexual virtual apenas uma vez por ano, e que deixo ao vosso critério sobre o que isso significa.

Retomando a entrevista, Mackie diz que recusa uma interpretação sexual ou romântica do seu personagem, algo que foi feito constantemente para “Striking Vipers”. Mas vai mais longe, diz que “a ideia de dois homens serem amigos e amarem-se em 2021 é um problema por causa de um aproveitamento da homossexualidade”. Não sei bem a que casos ele se refere quando pensa nessa exploração da identidade, mas do que estamos a falar é de um direito à fantasia erótica e à leitura subjetiva que cada um tem da série. Melhor, de uma leitura dos próprios homossexuais, bissexuais, pessoas que sentem prazer em observar ou imaginar situações de homosociablidades. Nenhum deles (os atores) faz o meu tipo, mas vamos fingir que sim, o que me impede de identificar com o Sebastian Stan e imaginar que me envolvo com o Antony Mackie (ou o inverso)? Ou por que razão não posso usar os imaginários para escrever novas histórias, que nunca servem para fins lucrativos, mas antes para o prazer de uma comunidade que continua à espera, há mais de 13 anos, que a Marvel e a Disney tenham a coragem e a decência de introduzir algum tipo de representação LGBT+? 

Como sabem, nos vídeos musicais a apresentação dos corpos masculinos e femininos é constante, e tanto os músicos, como as indústrias musicais, sabem que isso abre a possibilidade para leituras queer. No caso dos homens, isso não representa um ataque às suas masculinidades. Já para Mackie, numa leitura profundamente redutora da masculinidade, diz que “não há nada mais masculino do que ser um super-herói e voar por aí e bater em pessoas”. Por isso, para ele, quando introduz o lado emocional e sensível, simplesmente quer dizer que existe uma amizade entre homens… Este é o momento em que coloco o meu emoji de “a sério ?” Isso é a tua visão da “verdadeira masculinidade”? Por favor, alguém me traga uma máscara porque sinto toxicidade no ar. Mackie, honey, talvez tenhas que repensar os teus conceitos, fazer algumas leituras e pensar duas vezes antes de tentares defender a tua posição. Portanto, neste nosso mês do orgulho LGBT+, o que pedimos é o direito às nossas fantasias eróticas, ao bromance, ao sexo e a tudo aquilo que nos dá prazer. 


Ep.159 – Abuso sexual, mitos e factos na primeira pessoa (reedição) Dar Voz a esQrever: Notícias, Cultura e Opinião LGBTI 🎙🏳️‍🌈

O CENTÉSIMO QUINQUAGÉSIMO NONO episódio do Podcast Dar Voz A esQrever 🎙️🏳️‍🌈 é apresentado por Pedro Carreira. Sim, este episódio é especial e uma reedição de um episódio anterior dedicado ao abuso sexual, contado na primeira pessoa. Dado os recentes e mediáticos casos de abuso sexual na Igreja Católica a virem à superficie achamos que os conteúdos reeditados deste episódio fazem mais sentido que nunca e, acima de tudo, podem ajudar vítimas de crimes semelhantes de violência sexual a não se sentirem tão sozinhas. Associações de apoio especializado à vítima de violência sexual:- Quebrar o Silêncio (apoio para homens e rapazes vítimas de abusos sexuais)Linha de apoio: 910 846 589 Email: apoio@quebrarosilencio.pt- Associação de Mulheres Contra a Violência – AMCVLinha de apoio: 213 802 165 Email: ca@amcv.org.pt- Emancipação, Igualdade e Recuperação – EIR UMARLinha de apoio: 914 736 078 Email: eir.centro@gmail.com Artigos mencionados no episódio: Sobre abuso sexual, orientação sexual e o silenciamento das vítimas O nosso corpo Quebrar O Silêncio: Vítimas de abusos sexuais estão em crise Abusos sexuais na Igreja: prescrição de crimes deve aumentar para 30 anos da vítima, defende Comissão Jingle por Hélder Baptista 🎧 Este Podcast faz parte do movimento #LGBTPodcasters 🏳️‍🌈 Para participarem e enviar perguntas que queiram ver respondidas no podcast contactem-nos via Twitter e Instagram (@esqrever) e para o e-mail geral@esqrever.com. E nudes já agora, prometemos responder a essas com prioridade máxima. Podem deixar-nos mensagens de voz utilizando o seguinte link, aproveitem para nos fazer questões, contar-nos experiências e histórias de embalar: https://anchor.fm/esqrever/message 🗣 – Até já unicórnios 🦄
  1. Ep.159 – Abuso sexual, mitos e factos na primeira pessoa (reedição)
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3 comentários

  1. “a ideia de dois homens serem amigos e amarem-se em 2021 é um problema por causa de um aproveitamento da homossexualidade”. Essa frase dele me parece uma relutância a atração que dois amigos homens podem sentir e, ele aplicando uma “heteronormatividade” ao especificar amizade entre pessoas de mesmo gênero! Já tive colega que mesmo em setor com mais mulheres, o assunto era mais de “dondoca”: viagens, casa e até politica! Como para passar para a sala dele, passava pela minha sala, ao me paquerar, parecia que eu “transpirava carência” ai ele ficava até mais tarde, para ficarmos a sós! Chegaram elas, numa ocasião, até se revezarem, quando ele ficava para sair mais tarde: acabavam nos “beneficiando” porque a demora dela em ir embora, reduzia nossas preliminares: eu já estava pronto a acolher ele!

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