Crítica musical ao álbum Rituals de Raphael and the Thorns

Rituals oferece-nos uma música de ambiente melódico, sombrio e sempre bastante calmo. É muito sólido na sua relação entre as músicas, sinto uma mistura dos primeiros trabalhos de Paradise Lost, com os sons mais góticos de Evanescence e uma herança cinemática, operática e orquestral de Nightwish. Cada música faz-nos perder no interior de um imaginário negro, psicológico e introspetivo. Talvez por isso, os tropos de metal estão aqui ligados à negatividade e não ao poder ou à violência física. A diversidade sonora aparece na combinação instrumental, há uma qualidade de banda sonora nas harmonias do sintetizador, no uso de cordas friccionadas, e na estrutura das músicas que “escondem” várias vezes a base de verso e refrão. A sua união tímbrica procura adequar-se a cada momento lírico, o que justifica a presença da categoria de metal teatral na página de Bandcamp do álbum. Este trabalho não é para os que procuram agitação, clímax e a loucura do headbanging, começa e termina num plano etéreo, é para quem estiver disposto a deixar-se absorver pelas histórias mais amargas da vida.  

Rafael é um cantor de tipo mais operático e confortável em registos mais graves. Faz uma voz de gutural bastante interessante na minha opinião, em especial pelo vibrato, cria uma sensação artificial grotesca e muito adequada ao álbum. Podemos ouvir, por exemplo, em “Sirens of Stone”, “Winter” e “As the Wheel Turns”. A sua tessitura controlada deixa por vezes transparecer uma fragilidade que se sente no conceito do álbum. O ambiente equilibra-se em termos timbricos porque a sonoridade é preenchida por instrumentos mais agudos e sensíveis, como as cordas e alguns pianos, e que são responsáveis por muito do clima cinematográfico que espelha uma banda sonora ritualizada e catártica.  

Cantado na primeira pessoa, traça um percurso semi-biográfico do vocalista. São como um conjunto de páginas de um diário confessional, não sequencial, mas igualmente intenso. No início, diz-nos que se recusa a mudar apesar de tudo aquilo que lhe fazem/fizeram. Talvez o Raphael seja uma das “Sirens of Stone” que canta e se mantem firme, numa máscara e persona que esconde a fragilidade e sensibilidade do seu eu que está por trás, o Rafael Fernandes. A meio do percurso, e no seu ritual de evocação à “Mãe”, mostra já o seu cansaço face a quem o rodeia e faz sofrer. O álbum termina, no que podemos dizer que ser o seu clímax narrativo, quando admite em “The Dreamer and the Fall” que agora o sonhador morreu, resta viver com o seu lado negro que acordou e veio para ficar. 

Pontos menos interessantes: algumas vezes sinto que a voz procura concentrar-se demasiado no controlo e na afinação, perdendo oportunidades para se expressar, combinar de forma mais eficaz o canto com o grito, o gutural, ou até formas mistas. Existem vários momentos em que a letra torna-se impercetível, em especial quando o vocalista canta ao mesmo tempo que o coro (pode ser intencional, é certo, mas eu gosto de saber o significado do que ouço). Outro aspeto é que a introdução da maioria das músicas começa de formas muito semelhantes, sinto falta de alguma atenção à percussão, ao baixo ou a segmentos à capela que funcionariam muito bem com o ambiente mórbido. Por último, confesso que o dueto com Rita Teixeira não me cativou, acho que têm timbres e tessituras que combinam muito bem, mas o potencial não foi aproveitado.

Pontos altos e músicas preferidas

“Sirens of Stone” – a minha música favorita, sem dúvida, porque é expansiva, complexa e variada. Ótima forma de começar o álbum pois mostra as várias capacidades dos músicos e as possibilidades tímbricas que este projeto nos oferece. 

“Cold Hideways” – é muito interessante ouvir os instrumentos a destacarem-se com breves solos enquanto Raphael canta, em particular a guitarra elétrica e as cordas. 

“As the Wheel Turns” – é das músicas com os melhores refrões, a voz de Rafael é intensa. 

“Silence” – o solo de vocalizo com que a música termina, para depois ser “quebrada” pelo piano reverberado de “Mãe” é de arrepiar! O coro em latim e o texto declamado (em português!) que nos surpreende, pela língua e poesia dolorosa, transita perfeitamente para “The Crownsong”, criando um tríptico no centro do álbum que deve ser ouvido de seguida. 

Equipa

Rafael Fernandes – voz principal e secundária, sintetizadores
Ricardo Martins – percussão
Vítor Teixeira – guitarras e baixo
Angélica Fonseca e Carolina Pardal – primeiro violino
Joana Folgado – segundo violino
Diogo Lopes – viola
Mariana Neves – violoncelo

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