Lobo e Cão – o filme queer português que se quer (ou que eu queria)

Lobo e Cão - o filme queer português que se quer (ou que eu queria)

Há um momento no filme “Lobo e Cão” em que Ana, a protagonista, pergunta ao padre da sua paróquia: “É pecado querer?”

Com esta pergunta, lança-se a centelha para iluminar aquela personagem e também a nossa passagem por este filme e por estas vidas. Somos testemunhas de um querer inquieto, desalinhado, reprimido, mas imparável. Um querer sexual, amoroso, identitário, estético, mas também um querer geográfico, de fuga e de mundo.

Cláudia Varejão dá-nos uma oportunidade com este filme. Por isso, apressem-se, enquanto está em salas do Porto e Lisboa, para aproveitarem esta oportunidade de ver um filme belíssimo sobre descoberta, liberdade e comunidade. Um filme sobre querer.

Sou suspeita, adoro os chamados filmes “coming of age”. Contem-me a história de qualquer adolescente a descobrir, a perder, a encontrar, o caminho para a sua vida adulta e têm toda a minha atenção. E provavelmente o meu afeto.

Neste caso em particular, estas pessoas adolescentes vivem numa ilha portuguesa, têm identidades, expressões de género e orientações sexuais não normativas. Apesar de rodeadas de mar, de adversidades e de uma tradição pesada, aparecem-nos em conjunto, em comunidade, com elos fortes de amizade, com uma força que só com pares conseguimos encontrar.

Sair das nossas ilhas

Ana e Luís são o eixo da narrativa, construindo através daquilo que lhes vai acontecendo a narrativa da afirmação dos seus corpos e das suas identidades. Com uma beleza inegável – a ilha e as pessoas – o filme tem uma estética poética, mas também profundamente queer. Essa queerness transcende a mera estética, ligando-se sobretudo ao orgulho, ao respeito e ao amor do olhar da realizadora Cláudia Varejão sobre aquelas pessoas. E que nos contagia.

A violência da repressão da diferença está tão presente no filme como o encantamento de novas emoções a emergir, possibilitando-nos ver este filme num lugar seguro. Intimamente sabemos que estas pessoas vão ficar bem porque não estão sozinhas. Mesmo numa ilha.

E este é o lado mais comovente de Lobo e Cão. Crescer entre pares, desejar em segurança, descobrirem-se em conjunto. Ser em comunidade. A comunidade LGBTQIA+, sim, mas também uma outra comunidade que tem em si as ferramentas para proteger e zelar por estas criaturas incríveis. Por cada ataque e incompreensão, surge uma força contrária de proteção e inclusão.

Acredito que um filme assim só poderia ter sido feito assim por alguém da comunidade LGBTQIA+. Realizadora e elenco compreendem esta vivência em nome próprio, e isso é evidente (vale a pena ver esta entrevista à Cláudia Varejão).

Lobo e Cão - o filme queer português que se quer (ou que eu queria)

Enquanto pessoas LGBTQIA+ e comunidade, há uma pertença e partilha que merecemos ver representadas.

E o filme faz isso. E faz-me sentir um orgulho imenso. Ainda mais quando a existência do filme permitiu fazer ainda mais que isso nos Açores e pela sua juventude e comunidade LGBTQIA+, com a criação do Centro (A)MAR. A realizadora viu aquelas pessoas, promoveu sessões de terapia antes das filmagens, contribui para o seu bem-estar, para o seu desenvolvimento, para o seu orgulho. Uma resposta grata àquilo que recebeu.

Livres de querer

Talvez seja um desejo otimista. Mas esta juventude que Cláudia Varejão mostra, esta gente linda, está muito mais apta, dotada e fortalecida do que as gerações anteriores e temos tanto para aprender com ela.

Eu queria muito este filme, queria muito vê-lo e nem sabia quanto. Estou muito feliz por a Cláudia o ter feito. Porque esta adolescência nos ilumina o futuro e nos pacifica o passado.

Tudo o que ainda podemos ser, essa é a liberdade e a prisão da adolescência.

Tudo aquilo que somos, tudo o queremos, essa também é a nossa liberdade.

Trailer Lobo e Cão

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