
Eddie Redmayne é um aclamado ator reconhecido pelos seus papéis em A Teoria de Tudo ou Os Miseráveis. Mas é sobre o seu papel em The Danish Girl (A Rapariga Dinamarquesa) que o ator britânico tem vindo a retratar-se. Nele representou a história de Lili Elbe, a primeira mulher trans no mundo a obter cirurgia de redesignação sexual.
Em 2015, ano do filme, ainda era visto como legítimo a representação de uma mulher (trans) por um homem (cis). Dois anos antes também Jared Leto representara Rayon em O Clube de Dallas e com isso ganhou o Óscar de Melhor Ator Secundário. No maior palco do cinema mundial, Leto recebeu os aplausos pelo papel de uma mulher. Redmayne também foi nomeado pelo seu papel de Lili. Estes são vistos como dois dos maiores exemplos de casting transfake no cinema.
Como disse Jen Richards, atriz e autora trans, no documentário Disclosure da Netflix, “o público encara as mulheres trans como homens maquilhados com cabelo bonito e isso é reforçado sempre que vemos fora do ecrã um homem que fez de mulher trans”.
Mas Eddie Redmayne tem vindo a rever a sua decisão de desempenhar Lili. Em 2020 divergiu publicamente de JK Rowling enquanto ator na saga Animais Fantásticos. “Discordo dos comentários de Jo“, disse. “As mulheres trans são mulheres, os homens trans são homens e as identidades não binárias são válidas.”
Numa nova entrevista, Redmayne volta a falar do filme The Danish Girl e a reiterar que não se sentiria agora confortável no papel. Ele acredita que o papel de Lili Elbe deveria ter sido dado a uma atriz trans. “Fiz esse filme com as melhores intenções, mas acho que foi um erro”, disse em 2021.
Eddie Redmayne abriu a conversa a colegas trans
Eddie Redmayne afirma que não voltará a assumir papéis que devem ir para artistas trans. E o seu processo passou precisamente por falar com colegas trans.
“Há alguns anos fiz um workshop com artistas trans. Muitas delas perguntaram-me sobre a minha escolha de fazer The Danish Girl. Contaram-me como muitas pessoas atrizes trans não vão à escola de teatro porque não vêem aí uma oportunidade. A menos que haja papéis que ache que são possíveis de representar, por que o faria?”
“Acredito que todas as pessoas desejam ser capazes de representar tudo. Isso é o que sonhamos como artistas e que devemos fazer. Ninguém quer ser limitado pelo seu género ou sexualidade, mas, historicamente, essas comunidades não tiveram um lugar na mesa. Até que haja um nivelamento, há certas papéis que eu não representarei.”
O casting transfake também tem vindo a ser denunciado em Portugal
Portugal não está livre de críticas e os casos de casting transfake têm sido denunciados. Em 2022, o Festival de Almada foi acusado de ‘transfake’ pela peça “Eu sou a minha própria mulher” sobre Charlotte von Mahlsdorf. Mahlsdorf foi uma mulher trans perseguida pelo regime nazi e protagonizada na peça por Marco D’Almeida.
Também nos últimos dias, foi denunciado o casting transfake em “Tudo Sobre A Minha Mãe”, de Daniel Gorjão. Na peça o papel de Agrado, uma trabalhadora do sexo trans, é interpretado por uma atriz trans travesti brasileira, Gaya de Medeiros. Paralelamente, no elenco esteve também o ator André Patrício, que interpretou o papel de outra mulher trans, a personagem Lola. Após uma ação de tomada de palco protagonizada por Keyla Brasil, atriz e performer travesti brasileira, a equipa assumiu o erro de casting e contratou Maria João Vaz para o papel de Lola.
Importa entender que uma personagem não é, por regra, desempenhada por uma pessoa do género oposto a não ser que seja propositado e como ponto de vista. Mas, por regra, homens representam homens e mulheres representam mulheres. Com todas as questões de representação e o seu poder, tanto de emancipação como de destruição, por que a hipótese de um homem representar uma mulher só é colocada quando em causa está um papel trans?
A questão desaparece quando as pessoas trans se representam a si mesmas. A Laverne Cox, por exemplo, é tão mulher à frente de uma câmara como fora. “Quando vemos estas mulheres fora do ecrã como mulheres, isso desfaz a ideia de que são homens mascarados“, explicou Richards. E isso, para uma população altamente discriminada e violentada, pode fazer toda a diferença.
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