
O mundo do futebol, e em especial do masculino, ainda é poucas vezes palco de Orgulho. Contam-se pelos dedos de uma mão o número de futebolistas de topo que se assumiram ao longo das décadas, mas é também fora do mundo real que pode ser trilhado caminho para a aceitação. A aclamada série Ted Lasso assumiu precisamente esse papel na nova temporada.
Após indícios na temporada anterior, eis que Ted Lasso, vencedora de prémios internacionais, incluindo vários Emmys, aposta tudo na diversidade e na inclusão. Numa série que surgiu do desenvolvimento de um sketch, a primeira temporada, com o seu tom esperançoso, foi uma das séries-surpresa dos primeiros confinamentos em 2020. Ted Lasso, protagonizado por Jason Sudeikis, era um falhado treinador de futebol americano que vai treinar um clube inglês de futebol… bem, de futebol. E se a primeira temporada segue o estilo clássico de sitcom, a partir da segunda a lufada de ar fresco espalha-se também pelo seu estilo. Ao longo da temporada surgem vários episódios especiais e longos que dão primazia ao desenvolvimento das histórias e arcos das personagens.

É assim que começa a desconstrução sobre conceitos muito associados à cultura futebolística. Nomeadamente em como a masculinidade e toxicidade não são sinónimos, bem como a masculinidade e a vulnerabilidade não são conceitos mutuamente exclusivos. Vemos essas lutas internas em vários jogadores e em como a libertação das amarras e em grupo pode tornar uma pessoa mais livre e feliz. O espírito de equipa é aqui celebrado em momentos que só não são cliché, porque, e ao contrário de outras propostas como o filme Top Gun: Maverick, os conceitos desafiam precisamente as normas e o status quo.
Colin Hughes vive, para já, uma vida dupla em Ted Lasso, mas a sua história foi aclamada por fãs
Durante a primeira temporada, Colin Hughes, desempenhado pelo ator Billy Harris, foi apenas uma personagem cómica. Plana, até. Mas na segunda temporada. Colin menciona, numa passagem de várias apps de namoro, o Grindr, uma app de encontros LGBTI+. O momento deixou fãs da série com a suspeita de que não teria sido por acaso.
Eis então que surge o terceiro episódio da terceira temporada. Vemos Colin a acordar em casa do seu namorado, Michael (Sam Liu). Depois da troca de um beijo, o casal planeia encontrar-se novamente quando Michael regressar do Dubai.
“Desde o início, vi que [Ted Lasso] não era apenas uma comédia sobre futebol, era sobre o mundo. Foi um pensamento que colocaram no jogador de futebol gay, porque é um assunto tão grande no desporto e no atletismo como um todo. Tivemos escritores incríveis, Dylan Marron e Chuck Hayward, que regressaram para a terceira temporada e isso foi realmente emocionante. No balneário, não estamos realmente a ver o homem que é Colin no mundo exterior. Vemos todos os jogadores de futebol como estrelas e não vemos quem realmente são. Quando me abordaram sobre este arco sabia que tinha de aproveitar a oportunidade!”
Billy Harris.
Billy Harris recebeu imensos comentários de apoio de fãs de Ted Lasso que se relacionam profundamente com Colin. Dizem-lhe que gostariam de ter conhecido Colin quando eram crianças e mostram orgulho por Harris ser um aliado. No entanto, o ator aponta que também recebeu críticas.
Houve quem passasse de “adorar” Colin para o achar “nojento”
“Recebi uma Mensagem Privada, daquelas em que podemos voltar ao início da conversa“. No início, alguém enviou-lhe mensagens de apoio sobre o seu desempenho “brilhante” e em como “adorava” Colin. Nas primeiras duas temporadas foi este o tipo de feedback que recebeu daquela pessoa.
Mas eis que, na terceira temporada, essa mesma pessoa muda o seu discurso e acusa Colin de ser “nojento!” Harris questionou-se na altura sobre isso. “Então… adoravas Colin quando ele era apenas um jogador de futebol, quando ele dizia apenas coisas engraçadas, mas agora que ele é tridimensional já não gostas?” Harris diz não estar incomodado com estas mudanças bruscas de discurso, porque é por isso mesmo que estão a fazer estes episódio, pelo crescimento e aceitação das pessoas.
“Amo o Colin, acho que ele é a melhor pessoa do mundo. Só lhe desejo o melhor e adoro que ele tenha outras pessoas a seu redor a quem ele possa ir. Acho que houve momentos em que o vi ficar bastante sozinho”, refere o ator.
É precisamente para terminar com as vidas de solidão, as vidas duplas e de vergonha que, por vezes, a ficção dá o exemplo. Assim mostra ao mundo, mais uma vez, como também é possível segui-la no mundo real. Basta “acreditar” e fazer por isso.
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