
Os últimos anos foram difíceis, bastante difíceis, devido a uma pandemia que nos fez mudar de ritmos, repensar estratégias e atuar de formas diferentes. Percebeu-se o quanto era necessário voltar a juntar as pessoas num só local, para conviver, para estar e manifestar-se. Talvez por isso me seja difícil saber o que escrever um ano depois, e consequentemente ter uma certa ambivalência em mim. Por um lado, a necessidade de sentir no Arraial Lisboa Pride um local para todas as pessoas; mas, ao mesmo tempo, saber que há muitas que não poderão estar por razões que, infelizmente, não conseguimos erradicar da sociedade: o medo, a insegurança, a desproteção.
Na semana passada aconteceu a Marcha do Orgulho LGBTI+ de Lisboa e foi mais um momento alto do ano onde me foi possível sentir uma energia contagiante pela reivindicação por mais direitos, por mais segurança e por mais espaço na sociedade. A Marcha é um momento único e particular que tem acontecido ao longo dos últimos mais de 20 anos – e o fenómeno alarga-se por todo o país, com mais de 20 marchas só este ano.
Vivemos numa bolha, uma bolha da qual às vezes é difícil sair, pois o lugar de conforto é-nos importante, principalmente para quem sempre viveu o desconforto de uma sociedade que respira normatividades e violência. Uma violência pela ignorância ou desinformação, dizem algumas pessoas, ou pelo status quo de privilégios das pessoas que nos rodeiam. Com uma extrema-direita a crescer, atingem-nos de forma sistematicamente violenta os discursos populistas disfarçados de direito à opinião e liberdade de expressão.
Porém, não é de violência que queria falar. É de alegria e de promoção da felicidade que quero escrever e quero exprimir. Dentro da resistência e da resiliência, há espaço para sorrir e celebrar. Há espaço para conquistarmos o nosso próprio eu e, com isso, festejarmos o nosso crescimento, as nossas mais variadas identidades e as nossas sub-versidades em relação ao mundo.
Felizmente (e infelizmente) a nossa luta terá de continuar a fazer-se falar mais alto. As nossas conquistas nunca estarão garantidas, como também os nossos direitos. Por isso, continuarão a ser necessários espaços que queremos construir como seguros para fazer luta política, mas também seguros o suficiente para podermos parar e respirar fundo, ter momentos leves e próximos, que nos criem empatia e bem estar.
Não é fácil, porque a nossa felicidade (e infelicidade) é política, todas as nossas decisões são políticas e porquanto, rir, abraçar, beijar são também atos políticos de resistência pura de muito valor intrínseco.
É no rir, no abraço, no beijo que nós conquistamos pelo coração e emoção. É no rir, no abraço e no beijo que conquistamos a empatia, uma empatia feliz e tranquila, mas também uma empatia feliz e eufórica. Continuará a ser necessário criar estes momentos. Momentos diversos, sem nunca perder o caminho que devemos percorrer. Mas sinto que parar por vezes também não é um problema.
Parar é também olhar o nosso corpo e respeitá-lo nas suas lutas e dificuldades.
Por isso, num ano em que realizamos mais um Arraial Lisboa Pride, sinto que este pode ser também um momento de paragem, de recarga emocional, de ver quem não vemos há muito tempo, de estar com pessoas diferentes de nós, pessoas pelas quais temos uma grande empatia. De olhar o mundo com um olhar mais arco-íris e meigo para connosco.
A luta pelos Direitos Humanos nunca para – e, para além de esgotante, é também incrível sentir com o corpo o mundo mudar e tornar-se mais justo para com quem nele vive.
Voltamos a ocupar uma das maiores praças da Europa e enchê-la de toda esta energia positiva que tanto demandamos e de que tanto precisamos nos nossos dias. Será assim, mais uma outra data marcante do ano, um dia para pensar e repensar a forma como existimos e resistimos.
Porque sim, resistimos, mas vivemos!
Daniela Filipe Bento (Dani Bento) pela Direção da ILGA Portugal